quinta-feira, 12 de abril de 2012

"Educação e Cinema - Novos olhares na produção do saber" de José de Souza Miguel Lopes


LOPES, José de S. Miguel. Educação e Cinema: novos olhares na produção do saber
Porto: Profedições, 2007.

Apresentação

“O cinema é um artefato cultural cuidadosamente manufaturado, que busca propiciar ao seu público um misto de identificação e distanciamento. O filme carrega, desde sua concepção até sua exibição pública, intenções e cargas simbólicas que são oferecidas ao espectador que as degusta conforme as suas próprias intenções e competências simbólicas. Ao colocar o espectador numa posição privilegiada, na qual observa todos os acontecimentos narrados, mas sem o envolvimento real, o cinema pode empreender o seu jogo de revelação e engano. E, através desse jogo, pode desencadear uma relação entre tempo e memória, entre imagem e imaginação, dando um novo significado ao presente vivido.” (p.7)

“Desde cedo o cinema soube criar uma situação de projeção/identificação para com o espectador, desencadeada pela própria linguagem e evidenciada pelo próprio ritual cinematográfico. O ato de ir ao cinema, sentar-se numa sala escura, ser cercado de silêncios interrompidos por sussurros, a luz que vem do alto e de trás projetando-se na imensa tela a frente e que inunda os seus espectadores com suas imagens e as próprias estratégias narrativas propiciam um mergulho do espectador.” (p.7)

“A tentativa de encontrar refúgio numa sala escura onde são projetados focos de luz não é mais do que uma fuga da realidade.” (p.8)

Para Lopes, o cinema é fascínio, é mística, é preservar a curiosidade de criança, é fugir da realidade e ser parte de outra, é viver cinematograficamente, é uma função social, é refletir sobre a própria condição humana, é arte, é uma declaração de amor, é um meio de reflexão, é invenção, é um instrumento de análise da história.

O diálogo entre o cinema e a educação. Na minha trajetória de educador

Nesta primeira parte, o autor narra sua experiência e transformação com o cinema. Que iniciou no período escolar, onde apreciava todo tipo de cinema, de acordo com a limitação das opções oferecidas nos espaços de cinema, ou seja, acesso quase restrito ao cinema hollywoodiano. Depois, passou a freqüentar um cineclube em Moçambique, que ampliou seu leque e repertório, e onde passou a aperfeiçoar seu gosto e se tornar mais exigente

“O meu gosto pelo cinema, passando pelo simples prazer de fruir qualquer obra, independentemente da sua qualidade estética ou outra, até o fato de ter me progressivamente tornado mais exigente. Aperfeiçoei o meu sentido crítico, abandonando as formas banais de cinema e passando a selecionar mais criteriosamente as obras cinematográficas.” (p.14)

Um desaprender o gosto, talvez.

Para ele, ‘definir o cinema seria como definir a arte, ou alguma coisa ainda mais vasta, definir o indefinível, a vida mesma.’ (p.14)

Trabalhar com o cinema em sala de aula, não é torná-lo suporte, mas torná-lo a própria sala de aula. 

Ele define o cinema hollywoodiano como um ‘entorpecente’ que faz com o público se mantenha num estado de embriaguez, de ‘droga’. A linguagem cinematográfica favorece este uso, mas Lopes sugere a ampliação do olhar para outras obras e manifestações fílmicas.

Alguns aspectos importantes do trabalho do cinema em sala de aula: considerar os diretores, na tentativa de compreendê-los em suas manifestações; considerar o contexto dos filmes; ler sobre os filmes em espaços especializados; debater após o filme para ampliar as possibilidades de interpretação e compreensão do filme; usar palavras-chave para discussão pré e pós filme; assistir várias vezes para pontuar melhor as passagens; uso de curta-metragem no espaço escolar, ainda que seu acesso seja difícil; explorar a estrutura narrativa e seu desenvolvimento; ativar o pensamento dos alunos, logo após exibição e debate, solicitando uma redação, resenha ou crítica de 1 lauda sobre o filme.

“Foi assim que o cinema se tornou, mais do que nunca, uma síntese de todas as artes, que englobou os quatro elementos a saber: a imagem (quer elas estejam em movimento, ou em cores), sons, palavras e música.” (p.20)

“Não há nenhuma arte, nem o teatro, que iluda a vida como o cinema. (...) Quando lê um livro, você é um realizador, porque está a pôr imagens, a imaginar a cara dos atores, o vestir, o andar. Está a ver seu filme.” (p.21)

Para o autor, a televisão é uma grande rival do cinema, já que ‘o cinema estimula o pensamento, a televisão paralisa-o’. (p.22)

“Têm sido poucos os educadores que têm escrito sobre cinema, em particular trabalhos que nos revelem a sua relação com o fenômeno educacional. Constata-se, pois uma produção intensa e diversificada dessa relação em vários países mas, no Brasil e em Portugal, é ainda incipiente o estudo e sistematização desse universo.” (p.27)

Lopes alega que o cinema dominante é de vertente hollywoodiana, que acaba sufocando outras produções que lutam por uma outra forma de expressão. Ele reconhece haver fissuras no cinema norte-americano, através do cinema independente. Para ele, o cinema deve ser utilizado primeiro “como ferramenta de reflexão, fazendo com que após analisar criticamente uma película cinematográfica o aluno procure complementar e aperfeiçoar seu raciocínio através do estudo das matérias do currículo; e que esteja preparado para propagar este conhecimento adquirido, mais uma vez, através do cinema, de forma similar ao processo que se deu com ele.” (p.29)

Para ele, existem dois objetivos principais para o trabalho com cinema e educação: “o cinema como forma artística que se apresenta ao espectador como real, e que este seja ponto de partida para uma reflexão crítica sobre questões políticas, filosóficas, sociológicas, antropológicas e educacionais; além de despertar o interesse dos alunos pelo estudo, auxiliando a formação de agentes multiplicadores do pensamento crítico.” (p.29)

“Os melhores filmes de sempre foram aqueles que levaram a montagem, a focagem, a composição, a iluminação e o trabalho de câmera até o máximo das suas possibilidades enquanto mídia.” (p.29)

Lopes descarta todo e qualquer uso do cinema hollywoodiano, cinema indústria (seja dos EUA ou de outros países) em sala de aula, por ser um espaço e tempo limitados, porém pergunto-me se sua visão não é demais essencialista e preconceituosa, já que qualquer filme poderia ser usado como ponto de partida para “reflexão crítica sobre questões políticas, filosóficas, sociológicas, antropológicas e educacionais”, ainda que ele afirme que quem pensa assim, está aprisionado a um gosto condicionado pelo cinema hollywoodiano.

Além disso, em sua lista de 100 melhores filmes, há vários de vertente hollywoodiana, realizados dentro de padrões mercadológicos, mas ainda assim, valorizados por ele.

Aperfeiçoando o olhar no diálogo entre o cinema e a educação

Lopes resgata a publicação de “A educação cinematográfica” realizada pela UNESCO em 1961, que defende que “a melhor forma de defender o público, e em particular a juventude, de excessos e erros das mensagens audiovisuais, é a formação e a criação de hábitos pelos espectadores, de forma a garantira escolha e a melhor compreensão da mensagem audiovisual. Ainda, segundo esta instituição mundial, a educação cinematográfica já tem, em muitos países, um lugar estabelecido nos planos curriculares do ensino, não se restringindo a atividades extracurriculares ou de voluntariado cineclubístico, cabendo-lhe uma função educativa essencial.” (p.36)

“O cinema pode ser definido como uma educação informal, que necessita de uma metodologia para melhor aproveitamento na sala de aula. (...) A educação necessita lançar um olhar crítico sobre o cinema. Precisa se libertar da crítica especializada e construir seu próprio corpo teórico visando fins específicos. O cinema é um meio de reflexão da sociedade.” (p.36)

“A sala de aula cinematográfica deve dar a oportunidade aos alunos de terem uma cosmovisão do mundo, da sociedade em que vivemos, e entender que as relações de produção da nossa época indicam o sentido e significado de nosso presente.” (p.37)

O filme educa no sentido que amplia e questiona o nosso conhecimento dos contextos em aparência familiares e facilmente nomeáveis. (...) Educar pelo cinema ou utilizar o cinema no processo escolar é ensinar a ver diferente. É educar o olhar. É decifrar os enigmas da modernidade na moldura do espaço imagético.” (p.37)

“O problema é a passividade do espectador, que sem cultura cinematográfica, sem a posse dos instrumentos e dos procedimentos da linguagem da sétima arte, não assimila as possibilidades comunicativas do cinema. (...) Aprender a ver cinema é realizar esse ritual de passagem de espectador passivo para o espectador crítico. (...) A educação cinematográfica implica também uma formação estética na perspectiva que a experiência artística é indispensável á formação harmoniosa da personalidade.” (p.38)

Para ele, “filmes que confirmam o sistema, devem ser desmistificados no processo educacional, no processo escolar. (...) É fundamental ver e analisar com os alunos alguns filmes ‘modelos’ dos principais gêneros do cinema hegemônico e procurar fazer a crítica desse cinema. Este será um bom ponto de partida, para em seguida, iniciar os alunos num repertório intelectual e cinematográfico mais sofisticado.” (p.38-39)

Ou seja, é importante desmistificar o cinema que eles já conhecem, para então mais tarde ampliar seu repertório. A pergunta é “quanto tempo isso pode levar?” E quando o professor ainda não está totalmente neste estágio?!

“O fácil acesso às imagens não significa um fácil entendimento das suas formas. (...) Educar é ir além das aparências. Educar significa reconhecer o ‘não-visível’ nas imagens.” (p.39)

“A imagem é hoje um dos mais importantes meios de comunicação e é inegável que a tecnologia está a provocar alterações nas formas de pensamento e de expressão. (...) Freinet já discutia a necessidade do professor reconhecer e utilizar estes recursos: ‘A desordem cultural persistirá enquanto a escola pretender educar as crianças com instrumentos e sistemas que foram válidos há 50 anos. (...) Subsistirão as lições, os braços cruzados, as memorizações, enquanto fora da escola haverá uma avalanche de imagens e de cinema.’

Lopes defende o potencial educativo dos filmes, já reconhecido pelos que já o utilizam em sala de aula, mas também afirma que as imagens sozinhas não falam por si só, pois é preciso a intervenção do professor para potencializar seu uso. Isso vale para o cinema, televisão, computador, etc. As imagens só não devem ser utilizadas como ilustração ou substituição de professor, pois aí perde-se seu potencial educativo.

“A sala de aula deve ser considerada como um espaço imagético. Ela já incorpora, e sofre a intervenção dos meios de comunicação social com a utilização de jornais, revistas, programas de televisão. Porém, é preciso ver que esses meios podem ser considerados salas de aula, como espaços de transformação de consciência, de aquisição de novos conhecimentos; que eles dependem de uma pedagogia crítica, e que o sucesso dela depende de como vamos ver e ouvir os produtos da indústria cultural.” (p.41-42)

“Hoje em dia, a imagem em movimento, nas suas várias vertentes, do computador à televisão, passando pelos jogos interativos e partindo do cinema, povoam o cotidiano e o imaginário de todos nós e particularmente dos jovens, pelo que será impraticável, a curto prazo, não saber ler e escrever a linguagem da imagem em movimento, que tem suas características próprias, como todas as linguagens, que se salienta a versatilidade e a novidade.” (p.42)

“Se a sala de aula é um espaço de discussão e reflexão, o filme é este mesmo espaço ampliado em maior escala, em que os seus procedimentos formais e narrativos passam a ser a linha condutora do viés educacional.” (p.43)

“Se as condições de produção condicionam o filme, é possível reconhecer diretores que, mesmo atuando segundo as convenções do mercado, tentam ir além das representações singelas da sociedade. (...) Pensar na contribuição do cinema na educação é buscar o pensamento, a filmografia deste ou aquele diretor, e inseri-lo no processo educacional.” (p.43)

Descolonizar o cinema? A educação agradece

“O cinema é uma forma de criação artística, de circulação de afetos e de fruição estética. É também uma certa maneira de olhar. É uma expressão do olhar que organiza o mundo a partir de uma idéia sobre esse mundo. Uma idéia histórico-social, filosófica, estética, ética, poética, existencial, enfim. Olhares e idéias postos em imagens em movimento, através dos quais compreendemos e damos sentido às coisas, ou ainda, através dos quais buscamos e interrogamos sobre o sentido das coisas, ressignificando-as e expressando-as.” (Teixeira & Lopes apud Lopes, 2007, p. 52)

Neste capítulo ele reforça a idéia do cinema hollywoodiano como algo negativo, com e sem razão em vários aspectos.

Lopes diz que apesar do cinema ser reconhecido, sua linguagem ainda é pouco lembrada e trabalhada nas escolas. A relação das pessoas com o cinema ainda é puramente intuitiva, quase como ‘um músico que aprende a tocar de ouvido’.

“A possibilidade de se comunicar, de se expressar e de receber informação através do cinema supõe a aceitação prévia de que é uma forma de expressão tão importante hoje como a linguagem verbal, oral e escrita.” (p.58)

“O cinema pode ser ainda um elemento vital para a construção de um homem livre nas suas convicções, crítico nas suas análises, humanista e sensível na sua forma de compreender o olhar o mundo e a vida, aberto à multiplicidade de propostas, respeitando as diferenças e a igualdade que devem balizar a sociabilidade humana, pode ser inovador na descoberta de novos caminhos.” (p.64)

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E o livro continua! =)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

"Crescer na era das mídias eletrônicas" de David Buckingham

 
BUCKINGHAM, David. Crescer na era das mídias eletrônicas. Tradução: Gilka Girardello e Isabel Orofino. São Paulo, Loyola, 2007.

Neste livro, Buckingham nos fala sobre as transformações atuais nas concepções de infância diante do surgimento das mídias eletrônicas. Eles apresenta duas linhas de pensamento essencialistas e opostas, sintetizadas pela ‘morte da infância’, visão que considera as mídias culpadas pelo fácil e desenfreado acesso à informação e conhecimento, nem sempre ‘adequados’ aos que ainda 'não pertencem' à vida adulta (crianças e jovens); e a visão otimista da relação das crianças em sua ‘geração eletrônica’, agora ativas e produtoras de cultura, através das mídias.

Para ele, é um processo irreversível, porém a grande preocupação não deveria ser com o conteúdo (controle e regulação), mas com a participação e preparação das crianças neste processo.

Abaixo colocarei alguns trechos fundamentais que sintetizam seu pensamento e a importância da sua obra para pensar infância hoje, além de uma super síntese dos capítulos para os interessados no livro! =)
 
Prefácio

“É difícil ignorar a importância cada vez maior das mídias eletrônicas. Em todas as sociedades industrializadas – e também em muitos países em desenvolvimento – as crianças hoje passam mais tempo em companhia dos meios de comunicação do que com seus familiares, professores e amigos. (...) Suas experiências midiáticas são repletas de narrativas, imagens e mercadorias produzidas pelas grandes corporações globalizadas de mídia.” (p. 7)

Para ele, “o significado de infância nas sociedades contemporâneas está sendo criado e definido por meio das interações das crianças com as mídias eletrônicas.”

Ele considera importante lembrar que ‘as características da família e da escola – as duas instituições-chaves que em grande parte delimitam e definem a vida das crianças – variam bastante de uma cultura para outra.’

“A infância não é absoluta, nem universal, e sim relativa e diversificada. A idéia de infância é uma construção social, que assume diferentes formas em diferentes contextos históricos, sociais e culturais. (...) As crianças de hoje podem ter mais em comum com crianças de outras culturas do que com seus próprios pais.” (p.8)

Introdução - Capítulo 1 – Em busca da Infância

As interpretações das mudanças na infância “e no papel dos meios de comunicação em refleti-las ou produzi-las – estão agudamente polarizadas. De um lado, acham-se os que argumentam que a infância, tal como a conhecemos está desaparecendo ou morrendo, e que as mídias – particularmente a televisão – são as maiores culpadas. As mídias aparecem aí como responsáveis pelo apagamento das fronteiras entre infância e idade adulta, e, conseqüentemente, por um abalo na autoridade dos adultos. De outro lado estão aqueles que argumentam que há um crescente abismo de gerações no uso das mídias – que a experiência dos jovens com as novas tecnologias (especialmente os computadores) está cavando um fosso entre sua cultura e a da geração de seus pais. Longe de apagar as fronteiras, as mídias são vistas aí como responsáveis pelo fortalecimento delas – apesar de agora serem os adultos aqueles que se acredita terem mais a perder, uma vez que a habilidade das crianças com a tecnologia lhes oferece acesso a novas formas de cultura e comunicação que em grande parte escapam do controle dos pais.” (p.18)
 
“As mídias eletrônicas têm um papel cada vez mais significativo na definição das experiências culturais da infância contemporânea. Não há mais como excluir as crianças dessas mídias e das coisas que elas representam, nem como confiná-las a materiais que adultos julguem bons para elas. A tentativa de proteger as crianças restringindo o acesso às mídias está destinada ao fracasso. Ao contrário, precisamos prestar muito mais atenção em como preparar as crianças para lidar com estas experiências, e ao fazê-lo, temos de parar de defini-las simplesmente em termos do que lhes falta.” (p.32)

Na Parte I do livro, contendo o Capítulo 2 “A morte da infância” e Capítulo 3 “A geração eletrônica” ele descreve detalhadamente (revisão literária) e contra-argumenta sobre as duas visões ‘antagônicas’ essencialistas da relação infância e mídias eletrônicas, com semelhanças entre si.

Parte II

No Capítulo 4 – Infância em Mudança, Buckingham fala das relações e mudanças entre infância, relacionadas (ou não) às mídias. Ele diz que a relação de espaços públicos e privados alteraram a experiência das crianças.

No Capítulo 5 – Mídias em mudança, Buckingham fala das mudanças das mídias e como isso afeta a criança, transformando a infância em produto. O poder de consumo das crianças passou a ser reconhecido e o mercado voltou-se a este ‘novo’ público em potencial.

No Capítulo 6 – Paradigmas em mudança, o autor traz uma ‘revisão’ de pesquisas que relacionam mídias e crianças, cuidados e equívocos, etc.

Parte III – Capítulos 7, 8 e 9, Buckingham relaciona suas pesquisas com as relações entre crianças e violência, crianças e consumo, além de crianças como cidadãs.

A Conclusão e o capítulo 10, considerei a parte mais importante (e produtiva), já que resume tudo que foi falado no livro e aborda os direitos de mídias das crianças.

Para Buckingham, é preciso “entender a extensão – e as limitações – da competência que as crianças têm de participar do mundo adulto. Em relação às mídias, temos de reconhecer a habilidade que as crianças têm de avaliar as representações daquele mundo disponíveis para elas e identificar o que elas ainda precisam aprender para fazê-lo de forma mais plena e produtiva.” (p.278)

Os direitos das crianças

Buckingham complementa a noção de 3Ps dos direitos das crianças às mídias (provisão – oferta, proteção, participação) com o termo educação. Pois considera a provisão e proteção, direitos passivos, mas a participação, um direito ativo.

Ele defende a importância das crianças também participarem dos critérios e escolhas do que é oferecido para elas, daquilo do que elas são ‘protegidas’.

“As crianças somente se tornarão competentes se forem tratadas como sendo competentes. De fato, é difícil entender como elas podem se tornar competentes para fazer alguma coisa se nunca tiverem a chance de se envolver com aquilo.” (p.283)

Buckingham reivindica que ‘as crianças devem ouvir, ver e expressar a si mesmas, sua cultura, sua linguagem e sua experiência de vida’. (p.285)

O autor diz que garantir a participação depende também do desenvolvimento de habilidades, para que elas possam de fato exercer seu direito de participar. Com isto, ele acrescenta um quarto termo aos 3Ps, a Educação.

“A educação deverá buscar ampliar a participação ativa e informada das crianças na cultura de mídias que as cerca. (...) Mais do que deixar as crianças isoladas em seus encontros com o mundo ‘adulto’ das mídias contemporâneas, precisamos encontrar modos de prepará-las para lidar com ele, participar dele, e se preciso, mudá-lo.” (p.286)

“É preciso haver propostas mais ativas de financiar a produção de materiais a que as crianças realmente queiram assistir, e de habilitar as crianças a produzir esses materiais elas mesmas.” (p.289)

Ele encerra dizendo que “As crianças estão escapando para o grande mundo adulto – um mundo de perigos e oportunidades onde as mídias eletrônicas desempenham um papel cada vez importante. Está acabando a era em que podíamos esperar proteger as crianças desse mundo. Precisamos ter a coragem de prepará-las para lidar com ele, compreendê-lo e ele tornarem-se participantes ativas, por direito próprio.” (p.295)

Para melhor aprofundamento, recomendo ler o livro todo! =) 
Espero que tenham gostado e aproveitado minha síntese! =)

quinta-feira, 15 de março de 2012

"Esboços de Frank Gehry" de Sydney Pollack 2005


Este documentário foi exibido recentemente na semana de atividades do PPGE - UFSC , com a presença da Profª Dra. Marisa Vorraber Costa para discutir a relação 'cultura e pedagogia' e o papel do pesquisador.

Frank Gehry é um arquiteto contemporâneo, que escolheu o amigo Pollack, que não entendia nada de arquitetura e documentário, para contar um pouco sobre a vida e trabalho desse artista fantástico que não entendia nada de cinema. 

De forma clássica, Pollack consegue reunir em imagens, depoimentos, entrevistas, montagem e uma divertida trilha sonora, um pouco da vida de Gehry e seu processo (fantástico) de criação.

Museu Guggenheim Bilbao, em Bilbao, Espanha

A importância de Gehry para esse período de reflexão sobre a pós-modernidade, está na relação das suas obras arquitetônicas com as tecnologias atuais, numa espécie de simbiose beleza&tecnologia, onde elas só poderiam existir através do computador e seus cálculos precisos. Gehry confronta as regras e 'verdades absolutas' da arquitetura com suas criações exóticas, caóticas, orgânicas, narrativas, que desafiam as leis da física.

A partir do documentário, podemos perceber que Gehry sempre teve uma relação próxima com a arte já na infância, onde sua avó sentava com ele e passavam tardes criando cidades e construções com simples blocos de madeira. Foi essa experiência marcante que influenciou sua escolha profissional. De alguma maneira, quando jovem, ao pensar sobre o que queria fazer da vida, ele se lembrava dos blocos de madeira e das tardes com a avó.

Ele também gostava de desenhar com seu pai e um desses desenhos foi elogiado pelo professor e valorizado pela mãe, que acreditavam que um dia ele seria um grande 'arquiteto'. Dito e feito!

E antes de fazer arquitetura, Gehry fez um curso de cerâmica e já nessa experiência se divertia com as formas imprevisíveis que suas criações em argila ganhavam ao sairem do forno. "Uau! Que beleza! Eu fiz isso?!" 
 

Gehry sempre teve uma relação de medo e fascínio por suas obras. São como filhos, que nascem para o mundo e tem vida própria. Aqui lembrei de Barthes e seu texto "A morte do autor", pois nossas criações deixam de ser nossa ao serem compartilhadas com o 'mundo'. Ganham vida e oferecem múltiplas possibilidades de relações e conexões.

Marisa relacionou este medo e fascínio com as pesquisas que fazemos na pós-graduação. Diz que nós 'inventamos e criamos' os problemas que tratamos em nossos trabalhos, eles não existem e apenas os pescamos, mas são criados por nós. Talvez seria melhor dizer que os identificamos num mundo posto, onde estabelecemos relações e conexões. Marisa diz que pesquisa requer paixão, fascínio pelo processo. Somos apaixonados por ela, ou não conseguimos seguir adiante. "Sem tesão, não há solução". 

Somos pesquisadores-artistas, como Gehry, que trabalha com paixão, teme a rejeição, mas segue em frente, diante de críticas, desafios e problemas. 

Assim como Gehry, nós pesquisadores também nos sentimos confusos, perdidos, com medo de não saber o que fazer e por onde começar. O arquiteto diz que isso é apavorante, mas que criar é assumir riscos.

Em certo momento do documentário observamos Gehry e sua equipe criarem uma nova obra. E para ele há o momento de escuta, de silêncio, de observar e buscar em palavras suas inquietações. "Não sei ainda do que não gosto, mas não gosto."

Em relação a sua profissão, Gehry acredita que se uma pessoa tem uma ideia, porque não experimentar? Ele vive o momento, aproveita as ideias dos outros, relaciona qualquer coisa (moda, pintura, escultura, objeto, desejo, história) e isso o inspira a criar algo novo. Ele diz que é quase mágico e isso me fez pensar sobre o 'punctum' de Barthes. O importante exercício de refletir sobre o que nos toca em relação ao outro, seja pessoa, objeto, artefato, som, filme, etc.Gehry diz que 'todo lugar pode servir de inspiração'.


Gehry fala muito sobre a diferença de ser jovem, cheio de sonhos e anseios, e da experiência de envelhecer e perceber que o que fazemos não se reflete no agora e que o trabalho em equipe é de extrema importância. Ele diz que a perfeição não existe ou não pode ser alcançada. Com o tempo, a frustração diminui e relaxar diante da imperfeição, fica mais fácil.

Em sua arquitetura, Gehry procura respeitar o outro e talvez por isso crie coisas tão caóticas. Suas distorções possibilitam que um prédio velho não seja ofuscado, que a vista do mar não seja exclusiva, que as regras possam ser quebradas e as pessoas possam interagir com suas criações, conectarem-se com elas.

Em certo momento do filme compreendemos, assim como diz Tom Wolfe (A palavra pintada), que diante da beleza e inovação de suas obras, teóricos se apressaram em conceituá-las e classificá-las para que pudessem ter o estatuto de arte.

Já outros críticos questionam as criações de Gehry, enquanto espetáculo e marca. Seriam arte mesmo?!

Gehry é um artista do seu tempo, que imprime em suas obras, incluindo as novas tecnologias, o contexto em que vive. Aqui é importante pensar que a tecnologia não cria, mas projeta, permite, possibilita superar. Esta deve ser a postura da educação diante dessa Era das novas tecnologias. Aproveitá-la como uma ponte, como ferramenta fundamental da expressão e criatividade humanas!

Para ele, a satisfação não está no resultado, mas no processo, na possibilidade do esboço. Do fim como um novo começo. 

Marisa diz que em relação à pesquisa, quando terminamos um trabalho é o melhor momento de publicarmos artigos, revisitá-lo. É o momento de maior inspiração.

Ela também acrescenta que todo risco exige coragem, determinação, disposição, pois não é fácil saltar fora da ordem, duvidar, dobrar e subverter as regras. Gehry e nós, assumimos os riscos, mas não sem medos!

Num diálogo de Gehry e Pollack, podemos refletir sobre a relação comercial e artística de confronto dos artefatos e criações humanas, ou ainda, da relação do trabalho com a necessidade financeira e necessidade da expressão da arte, onde os dois reconhecem ser possível encontrar pequenos espaços, seja na arquitetura ou no cinema, seja na Academia, de dizer algo novo, citando algo velho, de mostrar que há outras coisas além das que já se conhece. 

Para que nossas crianças possam produzir arte, buscando articular realização profissional e criatividade, é preciso resgatar as vivências familiares, tão esvaziadas pelas mídias, segundo Marisa. Ao invés de 'medicar', canalizar sua energia excessiva para a criação, onde as novas tecnologias (tv, computador, internet), artefatos do nosso tempo, possam servir de ferramenta e potência de superação.

Defesa: "Khilá! (Des)encontros da Voz na Travessia Brasil-Moçambique"

Esta semana aconteceu a defesa da tese de doutorado da nossa colega Roselete, com o título "Khilá! (Des)encontros da Voz na Travessia Brasil-Moçambique", muito emocionante e especial!!

Com isto, resolvi postar sobre ela e sobre as últimas 4 defesas que compareci, super especiais e que podem ilustrar um pouquinho dos trabalhos realizados pelos colegas do Grupo de Pesquisa Núcleo Infância Comunicação e Arte (NICA), da linha (ou curva, espiral, círculo) de pesquisa Educação e Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC.

Começo com minhas impressões e 'pescadas' sobre o trabalho da Roselete Fagundes de Aviz de Souza -"Khilá! (Des)encontros da Voz na Travessia Brasil-Moçambique" 

Banca:
Dra. Gilka Elvira Ponzi Girardello (CED/UFSC-Orientadora)
Dr. José de Sousa Miguel Lopes (UEMG-Examinador)
Dra. Ida Mara Freire (CED/UFSC-Examinadora)
Dr. Wladimir Antonio da Costa Garcia (CED/UFSC-Examinador)
Dra. Glória Mercedes Valdívia Kirinus (UFPR-Examinadora)
Dra. Telma Anita Piacentini (UFSC-Suplente)
Dra. Mônica Fantin (CED/UFSC-Suplente)



E participação da cineasta moçambicana Isabel Noronha.

 
Em conversa com Roselete, ela me disse que sua inquietação e curiosidade partiam da pergunta "Como a mídia interfere na 'voz' das pessoas?" e em sua travessia, novas questões, inquietações e curiosidades moldaram outras possibilidades de trabalho.

Em relação a Educação, seu trabalho reflete sobre a questão da formação e da voz como algo aberto, como uma viagem, como um devir. Sobre o professor como um viajante, sem itinerário ou cartilha. Seria possível?!

'Khilá!' significa uma interjeição que esboça uma tentativa de canção, ou no caso, de uma pesquisa de doutorado.

Roselete também falou sobre a importância da pausa na pesquisa, na vida, no aprendizado. O vazio, pausa, intervalo, silêncio como essencial para criação, produção e funcionamento das coisas. Ela diz que 'o entre é essencial para o movimento". E cita Barthes e sua ideia de neutro e das coisas que se sobrepõem. 

Para ilustrar essa relação da voz e do silêncio, Rose trouxe a música "O silêncio" de Arnaldo Antunes:

"antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu...."

Roselete então apresentou a proposta da sua tese e como pensar 'a voz' na perspectiva de vários pensadores, artistas e autores, no capítulo "Sete visitas à exposição na casa da voz": Derrida, Barthes, Deleuze, Guattari, Kandisky, Mia Couto, Nietzsche, foram alguns deles.

Voz como morada e narrativa, como diferença, como formadora de subjetividade, como algo que não precisa da presença física, voz como escuta, silêncio, vazio. Porque o branco, vazio, silêncio nem sempre são 'o Nada', mas possibilidades e alegrias. Mas ela diz que o silêncio também violência, medo e é através da expressão e da arte que às vezes pode ser superado.

Rose também trouxe a influência de Deleuze e da importância da decepção, do desencontro, momento fundamental da busca. Ela diz que o 'toque', a sacada, a compreensão e aprendizado pode acontecer muito tempo depois da experiência vivenciada. 

Rose então encerrou falando sobre como seu trabalho poderia ser aproveitado na educação. Talvez um 'fazer pensar' sobre uma outra didática, uma nova postura do professor diante da educação, "ir não sei aonde, buscar não sei o quê!" (Angela Lago) ou melhor seria: ir para algum lugar fazer/buscar alguma coisa, só não saber exatamente o quê. Postura de descompromisso, desencontro, desaprendizado, de liberdade frente ao convite de mudança. Postura de 'ser no fazer, a partir do fazer'.

"Uma janela se abriu
Um sol poente se fez
A melodia surgiu
Assim toda de uma vez!"
(Aline Frazão)

Rose iniciou sua fala cantando Aline Frazão e terminou com este belo verso! =)

Considerações da banca:

Não fiquei até o final, mas ouvi alguns comentários muito bacanas.

A Profª Glória Mercedes Valdíria Kirinus falou sobre a condição de julgamento de uma banca (ataque/defesa) e preferiu chamar aquele momento de 'dança'. Disse uma frase muito bacana "quando leio algo, sou contagiada profundamente pelo discurso e fica difícil dizer algo sem estar impregnada por essa voz que me contagia." Falou também sobre a relação do trabalho de Rose com o conhecimento bíblico e a criação divina, Deus 'foi de um lugar a outro'. Criar como viajar, se transportar. Na Grécia, ônibus significa metáfora! Talvez por isso, para irmos a algum lugar, ás vezes precisamos de 'metáforas'.

Ela diz que o que torna uma tese rica, é a capacidade de provocação para novas leituras e resgate de velhas. Talvez por isso, ao lermos muito, em conversas é inevitável não resgatar autores, estabelecer relações e articular com a fala, típico de um membro de uma banca, mas de quem se dispõe a estudar mais e mais!


Já o Profº Miguel Lopes citou Saramago: "Às vezes precisamos caminhar para bem longe, para encontrar o que está bem perto!" E Rose confirmou, dizendo que às vezes é necessário sair da escrita para dar conta dela e percebeu isso fazendo um curso de cerâmica, onde aprendeu que é possível limpar (mais) algo que parecia pronto e do olhar de perto e à distância.

quarta-feira, 7 de março de 2012

"Novas imagens do desaprender" de Adriana Fresquet e Márcia Xavier (org.)





Em breve.

“A cultura da Educação” de Jerome Bruner

 
Este foi um livro fundamental em minha trajetória acadêmica, mesmo sendo uma leitura recente. Demorei pra ler (200 páginas em 2 tardes), mas às vezes o tempo é necessário para que a leitura seja mais rica e produtiva. 

E ainda mais importante que ler, é transcrever as passagens importantes e articular a leitura em paráfrases e explicações orais (aos amigos e marido cobaia), com direito a debates e devaneios. 

Como Bruner mesmo diz, só 'externalizando' o conhecimento adquirido é que o aprendizado se 'concretiza'. Essa é minha maior razão de socializar parte de minhas leituras e reflexões no blog: iluminar, instigar, provocar, trocar (ou qualquer coisa parecida) com possíveis leitores e interessados! =)

Segue o super resumo, com ênfase nos capítulos que mais me interessaram:

Prefácio

“O ensino é apenas uma pequena parte do modo como uma cultura inicia as crianças em suas formas canônicas.” (P.vii)

Bruner  questiona o objetivo das escolas “que deveria ser o de simplesmente reproduzir a cultura”, inserindo nos alunos, os valores, normas, padrões e comportamentos da sociedade em que vivem, mas acredita que a principal preocupação deveria ser a de “preparar os alunos para lidarem com o mundo em mutação no qual estarão vivendo!”

Bruner diz que o título deste livro se deve ao fato de que “a cultura molda a mente” e é ela que “nos dá um conjunto de ferramentas com as quais construímos não apenas nossos mundos, mas nossas próprias concepções de nós mesmos e de nossas capacidades.”

“O conhecimento adquirido é mais útil para alguém que está aprendendo quando ele é ‘descoberto’ por meio dos esforços cognitivos do próprio indivíduo que está aprendendo, pois, dessa forma, ele é relacionado ao que se conhecia antes e utilizado em referência a isto.” – Aprender fazendo! “O professor, nesta versão da pedagogia, é um guia para o entendimento, alguém que ajuda o aluno a descobrir por conta própria.” (P. XI)

Bruner considera a narrativa “como um modo de pensamento e uma expressão da visão de mundo de uma cultura. É por meio de nossas próprias narrativas que construímos principalmente uma versão de nós mesmos no mundo, e é por meio de sua narrativa que uma cultura fornece modelos de identidade e agência de membros. A apreciação da narrativa não vem de uma única disciplina, mas de uma confluência de muitas: literatura, socioantropologia, lingüística, história, psicologia, até mesmo informática.”

Bruner valoriza as escolas que ‘estabeleceram ‘culturas de aprendizagem mútua’, pois seria a melhor maneira de compartilhar a cultura, trocando “conhecimento e idéias, divisão de trabalhos, troca de papéis e oportunidade de refletir sobre as atividades do grupo.” (relação com Jenkins e Levy – comunidades do conhecimento)

  1. Cultura, mente e educação (mais revelador!)
Resumo: Neste capítulo, Bruner distingue sobre duas visões da mente – computacional e cultural, onde a cultural seria a mais adequada para pensar a educação. O papel da escola seria o de transmitir e oportunizar uma construção cultural dos alunos, onde a expressão narrativa seria parte fundamental da construção de identidade e desenvolvimento de auto-estima. Ele estabelece 9 preceitos fundamentais relacionados à educação e cultura:  perspectiva, restrições, construtivista, interacional, externalização , instrumentalismo, institucional, identidade/auto-estima e narrativo

Na visão do culturalismo, “a mente não poderia existir se não fosse a cultura”, pois “a evolução da mente humana está ligada ao desenvolvimento de uma forma de vida onde a ‘realidade’ é representada por um simbolismo compartilhado por membros de uma comunidade cultural na qual uma forma técnico-social de vida é organizada e interpretada em termos desse simbolismo. Esse modo simbólico não é apenas compartilhado por uma comunidade, mas conservado, elaborado e transmitido a gerações da sucessivas que, devido a esta transmissão, continuam a manter a identidade da cultura e o modo de vida.” (p.16)

Além disso, Bruner diz que o culturalismo “toma como sua primeira premissa o fato de que a educação não é uma ilha, mas parte do continente da cultura.” (p.22)

“A cultura, portanto, embora produzida pelo homem, ao mesmo tempo forma e possibilita o funcionamento de uma mente distintamente humana. Nesta visão, a aprendizagem e o pensamento estão sempre situados em um contexto cultural e dependem da utilização de recursos culturais. (...) A mente igualada ao poder de associação e à formação de hábitos privilegia o ‘exercício de repetição’ como a verdadeira pedagogia, ao passo que a mente considerada como capacidade de reflexão e discurso sobre a natureza de verdades necessárias favorece o diálogo socrático. E, ainda, tudo isto está ligado a nossa concepção de sociedade e cidadãos idéias.” (p.17)

“Pensar sobre o pensar deve ser um ingrediente principal em qualquer prática da educação que delegue poderes.” (p.28)

Em relação ao papel da educação é importante considerar que ‘a realidade que atribuímos aos mundos que habitamos são realidades construídas’ e a ‘educação deve ser concebida como algo que auxilie o ser humano a aprender a utilizar as ferramentas de produção de significado e de construção da realidade, a adaptar-se melhor ao mundo em que ele se encontra, ajudando no processo de modificá-lo quando necessário. Neste sentido, ela pode até mesmo ser concebida como ajudando a se tornarem melhores arquitetos e construtores.’ (p.28-29) (relação com Hannah Arendt)

Bruner então critica a educação tradicional, que ignora o saber dos alunos, como se fossem’ tabulas rasas’ e torna professores transmissores do saber. Na opinião dele, a melhor maneira de superar essa visão e abordagem pedagógica seria considerar espaços onde os indivíduos ajudam uns aos outros, cada qual de acordo com suas habilidades, como já defende Jenkins e Levy sobre as comunidades do conhecimento e inteligência coletiva. Isso não quer dizer que a presença de um professor não seja necessária, mas que ele não precisa exercer sua função de forma monopolizada, mas possibilitar um espaço de troca entre todos! (p.29)

Para Bruner “a aprendizagem (e tudo mais que ela possa ser) é um processo interativo no qual as pessoas aprendem umas das outras, e não apenas mostrando e dizendo.” (relação com Paulo Freire)

Neste sentido, Bruner considera de extrema importância a externalização do conhecimento, pois só assim envolve “um registro de nossos esforços mentais, que fica fora de nós e não vagamente na memória. É algo parecido como produzir um rascunho, um esboço, uma ‘maquete’” do saber. (p.31)

“O maior marco na história da externalização foi o surgimento da escrita e da leitura, que colocaram o pensamento e a memória que andavam ‘por aí’ em tabuletas de argila ou em papel. (p.32)

Bruner destaca que a escola é um dos primeiros contatos da vida fora da família, portanto essencial na formação de identidades e papéis sociais. (p.41) Seria então fundamental que as instituições de ensino trabalhassem a auto-estima da criança ou deixariam de cumprir uma das suas funções principais. 

“A escola é uma entrada para a cultura e não apenas um preparo para a mesma, então devemos reavaliar constantemente o que a escola faz para a concepção que o aluno jovem tem de seus próprios poderes e de suas chances percebidas de ser capaz de lidar com o mundo na escola e após a mesma (sua auto-estima).”

“O modo de pensar e sentir que ajuda as crianças (e pessoas em geral) a criar uma versão do mundo na qual, psicologicamente, elas podem vislumbrar um lugar para si – um mundo pessoal. Acredito que a invenção de histórias, a narrativa, é o elemento necessário para isto.” (p.43)

“Narrativa como um modo de pensamento e como um veículo de produção de significado.” (p.44)

Bruner diz que parece haver duas formas dos seres humanos organizarem seu conhecimento do mundo: pensamento lógico-científico e narrativo. (p.44)

E o autor diz que “a convenção na maioria das escolas tem sido tratar as artes da narrativa – canto, drama, ficção, teatro  (e porque não, cinema) – mais como ‘decoração’ do que necessidade, algo cm o qual adornamos o lazer, às vezes até mesmo como algo moralmente exemplar”. (p.44)

Bruner diz que nossas experiências são estruturadass em formato de histórias, onde “representamos nossas vidas (para nós mesmos e para os outros) na forma de narrativa e onde nos identificamos e construímos nossas identidades. É de extrema importância desenvolver uma sensibilidade narrativa, ou teremos problemas em identificar nossa personalidade e nosso lugar no mundo. Bruner diz que engana-se aquele que acredita ser uma habilidade natural, pois ‘para que a narrativa se transforme em um instrumento da mente no lugar da produção de significado, é preciso lê-la, produzi-la, analisá-la, entender seus mecanismos, sentir seus usos, discuti-la.” (p. 45)

“Um sistema de educação deve ajudar aqueles que estão crescendo em uma cultura a encontrar uma identidade dentro dela mesma. Sem ela, eles tropeçam em seu esforço de significado. É apenas no modo narrativo que um indivíduo pode construir uma identidade e encontrar um lugar em sua cultura. As escolas devem cultivá-la, alimentá-la e parar de desconsiderá-la.” (p.46)

  1. Pedagogia popular
Resumo: Neste capítulo, Bruner comenta sobre o método intuitivo do professor já em sala e a importância de considerá-lo e fundamentá-lo. Além disso, fala sobre 4 perspectivas da pedagogia, onde o aluno-ativo seria a visão mais adequada atualmente.

“Ao se elaborar teorias sobre a prática da educação em sala de aula (ou em qualquer outro contexto, se for o caso) seria melhor levar em consideração as teorias populares que aqueles que participam do processo de ensino já possuem. Qualquer inovação que você, como um ‘autêntico’ teórico da pedagogia, possa querer introduzir, substituir ou modificar, terá que concorrer com as teorias populares que já guiam professores e alunos.” (p.54) 

Bruner recomenda que se considere o saber da criança e a ajude a reconhecer o que já sabe sobre determinado assunto (externalização), pois assim o educador ‘terá levado as crianças a reconhecerem que elas sabem muito mais do que pensam saber, mas que elas têm que ‘pensar sobre o assunto’ para saberem o que sabem”. (...) Ao ensinar e aprender desta forma, significa que o educador adotou uma teoria da mente (e da aprendizagem). (p.58-59)

Ele exemplifica dizendo que uma discussão em grupo pode gerar mais conhecimento, do que uma simples ‘descoberta’ do conhecimento (aula expositiva). (p.59)

Bruner diz que há 4 modelos de mente e de pedagogia (forma de ensino e educação) (P.59-67):

  1. Enxergar as crianças como aprendizes por imitação
  2. Enxergar as crianças como se estas aprendessem a partir da exposição didática (inatismo)
  3. Enxergar as crianças como seres pensantes
  4. As crianças como detentoras de conhecimento
O autor diz então que o ensino real não se limita a apenas um modelo de aprendizagem e de ensino. “A maior parte das escolas tem por objetivo cultivar habilidades e capacidades, transmitir um conhecimento de fatos e teorias e cultivar o entendimento das crenças e intenções daqueles que se encontram próximos e distantes.” (p.67)

Para ele, as concepções adequadas seriam aquelas que enxergam as crianças como seres pensantes e como detentoras de conhecimento. 

  1. A complexidade dos objetivos educacionais
Resumo: Neste capítulo, Bruner aborda as contradições na educação (objetivos e funções) e o papel fundamental do professor como agente transformador, onde o foco deveria ser numa educação plena, com alunos autônomos, conscientes e que possam transformar e superar sua realidade e cultura.

  1. Ensinando o presente, o passado e o possível
Resumo: Neste capítulo, Bruner defende 4 ideias fundamentais para transformar a educação: agência, reflexão, colaboração e cultura. Também ressalta a importância da narrativa no processo educativo e sua estrutura básica.

Bruner destaca 4 idéias cruciais para educação, sendo agência, a capacidade do indivíduo de assumir maior controle sobre a própria atividade mental; reflexão como capacidade de entender o que se aprende e seus sentidos; colaboração como a capacidade de compartilhar o conhecimento entre grupos; e cultura, como um modo de vida e pensamento que  construímos e negociamos, transformando em ‘realidade’.

“Nós não aprendemos um modo de vida e formas de empregar a mente sem auxílio, sem apoio, nus perante o mundo. E não é apenas a aquisição da linguagem que faz com que as coisas sejam assim, é o ‘toma lá da cá’ da conversação que torna a colaboração possível. Pois a mente ativa não é só ativa por natureza, mas também busca o diálogo e o discurso com outras mentes, também ativas. E é por meio deste processo discursivo e de diálogo que passamos a conhecer o Outro e seus pontos de vista, suas histórias. Aprendemos muito não apenas sobre o mundo, mas sobre nós mesmos  pelo discurso com os Outros!” (p.94)
“A escola é uma cultura em si, não apenas um preparo, um aquecimento. (..) A cultura é um conjunto de ferramentas com técnicas e procedimentos para entender o mundo e lidar com ele. (...) Uma análise mais atenta da estrutura narrativa poderia ajudar os alunos a entenderem histórias que eles constroem sobre seus mundos.” (p.98)


  1. Entendendo e explicando outras mentes
Resumo: Neste capítulo, Bruner fala sobre as teorias da mente e como nossa bagagem cultural influencia nossa maneira de pensar.

  1. Narrativas da ciência
Resumo: Neste capítulo, Bruner relaciona ciência e narrativa.

“Uma das primeiras e mais naturais formas pela qual organizamos nossa experiência e nosso conhecimento é em termos do formato narrativo. (...) Narrativa é discurso, e a principal regra é haver um motivo para que o mesmo se distinga do silêncio. (...) Uma história portanto tem dois lados: uma seqüência de eventos e uma avaliação implícita dos eventos contados. (...) Você não pode explicar uma história, tudo que pode fazer é dar a ela várias interpretações.” (p.119)

“A arte de levantar perguntas desafiadoras é facilmente tão importante quanto a arte de dar respostas claras. (...) A arte de cultivar tais perguntas, de manter perguntas vivas, é tão importante quanto estes dois. Boas perguntas são sempre aquelas que apresentam dilemas, que subvertem as ‘verdades’ óbvias ou canônicas, que fazem com pré prestemos atenção nas incongruências.” (p.123)

“Ser capaz de ‘ir além das informações’ dadas para se ‘descobrir as coisas’ é uma das poucas eternas alegrias da vida. Um dos grandes triunfos de se aprender (e de ensinar) é organizar as coisas em sua cabeça de uma forma que permita que você saiba mais do que ‘deveria’. O inimigo da reflexão é a velocidade arriscada – mil imagens. (...) A história é como você consegue extrair o máximo do mínimo. E a solução é aprender a pensar com o que você já conhece.” (p.125)

  1. A interpretação narrativa da realidade
Resumo: Neste capítulo, Bruner fala sobre a estrutura narrativa e sua relação com o ensino.
               
  1. Saber é igual a fazer
Resumo: Neste capítulo, Bruner reflete sobre a teorização da prática e sobre saber intuitivo.

  1. O próximo capítulo da psicologia
Resumo: Este capítulo é complexo e o autor dividiu em 2 partes. Bruner fala sobre a importância de estudar a mente humana em sua capacidade de aprendizado, considerando os aspectos biológicos, e também os aspectos culturais.