quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Proibido para menores

por Alessandra Collaço da Silva


Quando vejo classificação/recomendação por faixa etária em algum filme, sempre me pergunto o que levou tal comissão, equipe e/ou responsável a determinar o que no conteúdo é impróprio para determinada faixa etária. Porque filmes como “Cidade de Deus” de Fernando Meirelles (2003), recomendado para maiores de 16 anos e “Tropa de elite” de José Padilha (2008), recomendado para maiores de 18 anos, tão assistidos pelos meus alunos de 12 e 13 anos, não são adequados, mas mesmo assim, ícones e referências, em suas produções audiovisuais. (eles adoram dizer: “perdeu playboy!”)


Em certa ocasião na escola, em uma semana de planejamento (comum nas férias escolares) deparei-me com um texto de Gardner que caracterizava o início do pensamento abstrato, por volta dos 12 anos. Ou seja, início de um pensamento que não se dá apenas na superfície, mas que começa a entender a subjetividade de conteúdos apresentados, talvez até entenda melhor sobre ironia, humor negro, sarcasmo, e que a violência dos filmes não está ali por si só (ou está?), mas para representar a construção de sujeito, de sociedade, de valores distorcidos, mas nem por isso valores que devam ser usados como referência.


Ao unir minha reflexão sobre recomendação para determinada faixa etária, com o pensamento abstrato que se inicia a partir dos 12 anos, segundo Gardner e o fato de que cada “leitor” do mundo coloca na sua leitura, o próprio repertório (escritura que destrói a origem), diria o mestre Barthes, deparei-me com um problema real: qual é o problema real? Classificar o filme não impede que este aluno, ainda sem a tal formação crítica, com seus 12 e 13 anos, tenha acesso ao conteúdo, tido como impróprio. E diante de uma era digital, jovens equipados das mais variadas mídias, principalmente as móveis, como celular e internet, têm acesso ao que bem entendem, se não no cinema ou na vídeolocadora, acessam pelo youtube ou na casa dos amigos. Essa constatação (se pode ser considerada constatação) me leva a crer que classificar o filme não tem uma utilidade muito clara, a não ser para os pais e educadores, que “maduros” e “sábios” sabem que tal filme não é adequado. Mas isso não significa muito para os jovens, pois se para mim, jovem recém formada, com pouca experiência docente, não era claro o que determinava a faixa etária, imagina para eles, imaturos pela própria imaturidade da idade.


E o pensamento abstrato? Tudo bem que eles talvez ainda não o possuam (como ter certeza de algo a essa altura?), mas não significa que não sejam capazes de reproduzir a leitura, ainda que superficial, que fazem dos filmes, vídeos, experimentos audiovisuais e afins. Então talvez o problema não deva “morar” no conteúdo impróprio, afinal alguma leitura eles irão fazer, pois sempre a fazem, mas sim na representação, na projeção, na reflexão (se é que ela acontece). Talvez o problema esteja no como. Como eles lêem?


Nesse caso, como professora de cinema, (aquela que ensina as técnicas de realização de um audiovisual, desde a ideia até a edição), sinto que devo deixar vir o repertório. Deixar vir as construções violentas, as distorções de valores, as tramas superficiais e personagens incoerentes. Deixar vir para então, talvez agir. Questionar e provocar esse aluno sobre sua proposta e sua construção em vídeo. Confrontá-lo, esperando argumentos (se é que isso é possível). Testar seu repertório. Porque é inútil querer controlar o conteúdo ou forçá-los a fazer filmes com mensagens positivas, moral da história e reflexões de adultos. (tipo: salve o planeta, proteja os animais, recicle) Isso é fingir que se ensina algo, pois a construção não veio de dentro. Se o que eles querem é construir a violência, é ali a melhor oportunidade de mediar o conhecimento, o pensamento. A reflexão tem que vir de dentro, ela não vem no livro, ou num exercício tolo, ou muito menos é plantada. Ela deve ser semeada e ganhar vida própria, como qualquer idéia que germina e contamina o pensamento ferozmente. A ideia deve partir deles e esse é provavelmente o maior desafio para o professor. E o maior problema ao lidar com mídia hoje. Como? Como fazer? Como usar essa leitura, muitas vezes distorcida, e promover a reflexão? Como instigá-los, provocá-los, semeá-los? Deixando vir?


Não defendo aqui a liberdade, mas a valorizo, pois todo leitor é livre dentro de sua prisão de repertórios. Prisão pela idade, pela oferta, pela procura, pelo conteúdo limitado e ilimitado, pela imaturidade, pensamento concreto, abstrato, pelo que nos define e não define. Prisão pelo conhecimento, que não é espontâneo (nos procura ou é procurado). Liberdade pela escolha, onde residem ideias, interpretações, distorções, expressões.


Os caminhos são muitos. Por isso, cabe ao professor, ao mediador, ao educador, deixar vir, para então, talvez, agir.

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