segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Como viver junto...com Barthes....e todo o resto... (numa mesma refeição...)

por Alessandra Collaço da Silva

Três passagens. Páginas 10 e 11:

“Não haveria famílias se não houvesse algumas bem-sucedidas!”

“...conversar...”

“De quem sou contemporâneo? Com quem é que vivo?”

Barthes e a Educação.

Teorias da Educação.

Nada e tudo em comum. Um belo banquete para cozinhar.

Os autores todos conversam entre si.

Certo dia em rabiscos no caderno/blog eu dizia:

“Barthes querido, me desculpe, mas cansei de você. Hoje. Talvez só hoje.
Às vezes não sei te ler.
Inundas minha mente constantemente.
Vejo você em tudo e tudo em você.
Caso de amor, autor-leitor.”

(ally_c

Em plena primavera...comecinho...

Barthes não parecia novidade...

Conheci primeiro, mas tanto foi feito anteriormente...

Nietzsche, Kant, Montaigne, Rosseau, Dewey...

Todos falam/falavam da importância da experiência...

Todos falam...aos meus “ouvidos”...

Falam na minha leitura, sussurram baixinho, seus segredinhos...

Falam no Presente...na minha mente...nas relações e associações...

Todos se escrevem em mim ou sou eu quem os escreve?

Todos estão sentados diante do mesmo banquete...

O prato principal dessa vez é educação...

Cada um coloca seu ingrediente especial...

Cozinheira-amiga, eu mexo...remexo...

Nietzsche sempre leva pimenta...

E Barthes sempre experimenta...

A mesa está sempre farta...confusões de braços e discursos altos...

Alguns gritam mais que outros...querem que eu passe o prato...

Devaneios nunca faltam...e nem certos desencontros...

Conversas que se sobressaem...outras que se cruzam...

São raros os silêncios...talvez na hora de degustar o prato...

Talvez na hora de experimentar...todos nos nós silenciamos...eu e eles...

Alguns elogiam, outros falam “que diferente”, alguns vão embora sem gostar ou falar...

Não há um gosto melhor ou pior...apenas diferentes...

Alguns gostam mais de salgado, outros de doce, outros apimentado, outros suaves...

Não há verdade absoluta...mas verdades co-existindo...quaisquer verdades...

Verdades-ingredientes...que seleciono e combino como quiser...

Crio minha própria receita, convido quem eu quiser para minha própria refeição...

Sozinha ou acompanhada...

Mato o autor...nasço leitora...faço minha própria escrileitura...

Convivo com todos e com ninguém...convivo mal e bem...

Se sei conviver junto eu não sei...(mas faço rima como ninguém! =)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Meu biografema...

Meu biografema.... incompleto....
(o original entregue contém citações da obra "Roland Barthes por Roland Barthes" - que passarei a limpo depois....)

Sobre passagem de ônibus...

Eu sempre ACHEI que andar de carro sozinha era o mesmo preço que andar de ônibus em Florianópolis...agora TENHO CERTEZA!

Uma das coisas comuns do mestrado é calcular os gastos freqüentes com combustível e xérox/livros (além da alimentação) e constatei que gastaria a mesma coisa ou até mais se andasse de ônibus pela cidade...que horror!

Fiquei chocada....como é possível?
E pior...como permanece possível? (e o povo?...)

É por isso que o trânsito é tão caótico...quem vai querer andar de busão se de carro é melhor e mais barato? (se formos comparar...)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Proposta de exercício 3: Ler uma imagem...

...e relacionar com algum conceito do livro "A câmara clara" e "O óbvio e o obtuso" do Roland Barthes.

Escolhi trabalhar com aquele conceito já familiar do curso de cinema: o punctum.
Se atingi o objetivo? Não sei...mas a recepção dos colegas, semanas antes do 2º turno das eleições 2010, foi polêmica.
Quem era Dilma...achou o vídeo agressivo e tendencioso...
Quem era Serra...não se manifestou...
Quem não era nem uma coisa nem outra (o meu caso)...pareceu me entender...
Até imaginei várias leituras possíveis, mas como autora, sentia-me sem ideologia ou posicionamento...foi no mínimo curioso, ouvir "acusações" de como fui tendenciosa, sem ao menos ter esta intenção...
Naquele momento eu era uma mera analfabeta política procurando se alfabetizar...
Estava confusa e perdida....e talvez fazer o vídeo tenha sido o primeiro passo para uma reflexão política....afinal não sabia mais se a construção do meu vídeo era mera reprodução de significados impostos constantemente pela mídia.....
De fato o que eu pensava e sentia?
Ao apresentar o vídeo teria importância?
O punctum não é justamente uma leitura pessoal e singular que o "leitor-espectador" faz?
Hoje sinto certo incômodo ao assistir este vídeo, mas também alívio de ter entrado em conflito comigo mesma, pois continuo compartilhando da opinião de Carl Jung e Friedrich Nietzsche de que o conflito é necessário para o equilíbrio...
Revolucionar para evoluir...
Desmistificar para mistificar...
Resistir para permitir...
Desordenar para ordenar...
(e aí...desordenar de novo...)

Próximos posts III

-Minicursos 9ª Sepex - aqueles 3 que participei... - EXTRA
-Minicursos 9ª Sepex - aqueles 3 que ministrei... - EXTRA
-4ª Semana de Cinema - "O Limiar da ficção" com Rui Gardier & .... - EXTRA
-4ª Semana de Cinema - "O filme-ensaio de Godard" com Ismail Xavier - EXTRA
-"Fragmentos de um discurso amoroso" - BARTHES
-"Roland Barthes" por Roland Barthes - BARTHES - OK
-Meu biografema - BARTHES - OK

Considerações sobre algumas leituras recentes...

No terceiro encontro de orientação de dissertação, minha orientadora me indicou a leitura destes 4 textos, e compartilho abaixo com vocês, algumas considerações:

Obs.: Todos possuem versão PDF on-line gratuita.

PUBLICAÇÃO PERIÓDICO: Educação e Realidade.

“Um cinema que educa é um cinema que (nos) faz pensar!” – Entrevista com Ismail Xavier

Considerações: Após esclarecimentos diretamente com o autor, entendo que ele fala de um cinema do tipo ensaio-filme, que instiga a pensar, promove a reflexão, sem buscar apenas um caminho ou uma possibilidade, mas o despertar de um novo olhar, de uma nova forma de enxergar. (punctum – obtuso de Barthes). Contrariar o “senso comum” – o óbvio.

Considerando suas colocações na palestra da semana de cinema, não há um limite para um cinema de arte e indústria, pois esta reflexão pode partir da experiência sensível do espectador, mesmo em filmes que seguem padrões mercadológicos. E isto me fez pensar sobre a importância da mediação. Lembrou-me do documentário do Leandro e das possibilidades amplas de leitura, justamente por não buscar uma montagem dialética precisa, por compor aleatoriamente as imagens da tribo indígena vinculada à narração, ampliando ainda mais as possibilidades de leituras, sem a presença de uma mediação. (talvez um filme americanizado não permita sozinho esta abertura, mas uma mediação pode ampliar o olhar).

E quando ele comenta sobre o “sabedor de códigos”, entendo que ser um sabedor de códigos não é suficiente, porém é no mínimo necessário. No próprio texto da Heil, percebo que ela preocupou-se em entender os códigos para criar sua proposta de análise fílmica, porém não significa de fato que compreenda os códigos. Não basta apontar para um filme e dizer “veja, é um plano-detalhe”, mas perguntar-se “porque um plano-detalhe?”. É necessária a relação entre o código e seu uso. O código e seu contexto, autor, proposta. Ainda que seja apenas uma leitura possível, é mais significativa que deter-se a um mero conhecedor. É preciso “compreender”!

Nesse sentido entendo a Mônica quando me dizia que saber os códigos não é o suficiente, mas reforço, como Xavier em seu e-mail, que é o mínimo!

“Cinema e educação: um caminho metodológico” – Eli Henn Fabris

Considerações: Pobre e ingênuo. Quase não consigo aproveitar nada do que ela traz.

Antes de se propor a tal pesquisa, a leitura de “Ensaio sobre análise fílmica” se faz necessária, pois muitas das suas colocações me pareceram ingênuas e sem citação. Vanoye já falava bastante sobre o valor do contexto, da necessidade do domínio dos códigos e da própria história do cinema, mas o artigo me mostrou uma pesquisadora ingênua, que talvez até conheça os códigos, mas não significa que compreenda. Tanto citou que viu e estudou filmes, mas não foi capaz de citar nenhum. Não fez nenhuma síntese de leitura. Pareceu-me preocupada em provar sua base, falando de sua constante busca pelo saber específico do cinema, pela pesquisa, pelo domínio dos códigos, enquanto linguagem, mas não como expressão, reflexão, análise.

Identificar um plano não é analisar. Decupar minuciosamente um filme não é analisar minuciosamente. Seria apenas descrever. Não pareceu haver nenhum tipo de reflexão. Espectadora-colegial, que sabe os nomes, mas ainda não sabe relacionar, compor, entender, questionar, criticar. Para criticar um conceito, ideologia, valor, é necessário conhecê-lo, porém é ainda mais necessária experiência, reflexão, leitura, relação entre os saberes.

Está certo que ela não me trouxe nada de sua síntese, porém é aí que reside a fraqueza do seu texto.

PUBLICAÇÃO PERIÓDICO: CEDES - Unicamp

“Mídia e juventude: experiência do público e do privado na cultura” Rosa Maria Bueno Fischer

Considerações: A autora começa falando da tendência crescente da exposição pública, diante das redes sociais e dos canais de publicação de vídeos, como o youtube. Ela atribui esse movimento à sociedade capitalista e regimes totalitários, que aniquilaram a individualidade humana, reprimindo a espontaneidade e a criação humana, formando uma “massa” coletiva. Aqui lembrei-me de Nietzsche e da Educação Moderna, sobre a formação do homem civil, de boas maneiras, domesticado, condicionado num “rebanho” e controlado pelo governo e por um regime político voltado para a finalidade, produtividade, consumo e utilidade.

Neste sentido, ela comenta dos produtos de cultura de massa, no caso o cinema, fonte de lazer e informação, apresentando o “mundo para o mundo”, ou “o Brasil para o Brasil” como visto na Era Vargas/Roquette-Pinto do cinema educativo. O poder de comunicação do cinema a grandes distâncias é enorme e por isso é também perigoso, pois vende “falsas verdades” se não houver mediação e reflexão.

Rosa ainda fala sobre a necessidade humana de “vencer a lógica da morte”, como fala Bazin, através das expressões audiovisuais. “Aprender a morrer”. Por isso, é necessária a reflexão e problematização de como essa sociedade que necessita se expressar, ser ouvida e vista, está construindo e lendo as significações que estão sendo construídas pelas mídias. Como estamos sendo representados e como estamos consumindo estas representações. Ela dá o exemplo do jovem-Malhação e das relações entre juventude e sexo, drogas, instigando a reflexão de “nós/deles” mesmos, muitas vezes criando padrões de comportamento ou situações inverossímeis com simplificações e abordagens superficiais de assuntos complexos e subjetivos. Ela comenta sobre Foucalt e o paradoxo liberdade/controle. (talvez o próprio professor-pipa do Nietzsche).

Com tudo isto, ela ressalta da importância da reflexão da forma como nossas narrativas de vida estão sendo narradas. Como estamos sendo narrados e representados, até porque muitos valores acabam se incorporando a nossa forma de “ver” o mundo, por inconscientemente assumirmos uma mera representação como verdade “absoluta”. É importante problematizar tudo que nos rodeia, pois é no discurso, na exposição do pensamento, opinião, que mostramos quem somos. (até para nós mesmos! – Ex.: Videoclipe dos alunos na Escola). E além do debate, transformar essa “visão” de mundo, através da criação.

“Decifra-me ou devoro-te” – João “Alegria”

Considerações: Alegria parece dar continuidade às preocupações de Rosa, pois fala do poder que a televisão tem em influenciar comportamentos e formar o senso-comum, tão duramente criticado por Nietzsche já no século 17. Esse senso-comum e desejo coletivo de consumo acaba influenciando inclusive classes mais baixas, que não conseguem pelos meios legais adquirir os objetos de desejo e partem para caminhos alternativos, no caso, ilegais, como contrabando, roubo e tráfico de drogas, encurtando o caminho para a desejada “vitória”. Porém ainda que as mídias, no caso a televisão, tenha este lado negativo, há também o lado extremamente positivo de permitir a comunicação entre os povos, a partir das novas tecnologias e todas suas facilidades de acesso.

Por isso, Alegria incentiva o uso das mídias na escola, reforçando uma mediação, e da participação expressiva da criança na composição dos produtos audiovisuais. Ele questiona se os inúmeros projetos que surgem para capacitação de jovens e crianças de fato valorizam o poder de criação dos jovens. Não é somente capacitá-los para que saibam fazer uso das mídias, mas instigá-los a criar, pois se eles criam, podem contribuir para a produção de mídias e transformação de um padrão já estabelecido. Este jovens podem expressar sentimentos e situações, muitas vezes marginalizadas ou ignoradas pela mídia, ou ainda esteriotipadas constantemente no país, como políticos corruptos, violência urbana, desigualdade social. Alegria incentiva a liberdade da criação. Valorização das narrativas pessoais e coletivas. Explorar produções, envolvendo as crianças e jovens em todo o processo.

Com isto, Alegria problematiza as metodologias que tem sido empregadas atualmente em projetos de uso das mídias.

Aqui pensei em vários projetos que já vi no FAM, por exemplo, em que as crianças tem idéias, até roteirizam, mas são profissionais que gravam e editam. Elas apenas fazem parte de uma etapa do processo. Se antes eu julgava possível, na prática vejo que os alunos ganham muito mais, explorando todas as etapas. O importante não é o resultado, mas o processo e as falhas que se apresentam como grandes oportunidades de aprendizado. A edição por exemplo só se desenvolve de acordo com a necessidade e se aperfeiçoa com a prática, por isso desafiá-los a editar é desafiá-los a aperfeiçoar suas habilidades de criação e capacidade de escolhas.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A fotografia e O cinema. A mãe e o filho?

Na última aula assistimos “Mãe e filho” de Alexander Sokúrov (1996) e trago aqui considerações sobre o filme.



“...um texto não é feito de uma linha de palavras a produzir um sentido único, de certa maneira teológico (que seria a "mensagem" do Autor-Deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações, saídas dos mil focos da cultura” (BARTHES, Roland. A morte do autor In. O rumor da língua)

Diante das inúmeras formas de ler “o mundo”, ou “um filme”, neste caso, este filme “Mãe e filho”, pareceu-me inevitável fazer relação com o cinema e a fotografia. Sokúrov nos apresenta um paradoxo, um filme-contraste, um filme de diferenças e semelhanças, de movimentos e silêncios. Um filme de morte e de vida.

Já no primeiro plano vemos uma composição curiosa: uma imagem estática, um casal que conversa, envolvido pela escuridão, onde o contraste claro/escuro típico de uma pintura, é emoldurado pelo formato retangular de qualquer tela de projeção. Se não fosse o diálogo contido e os movimentos sutis, poderíamos estar diante de uma tela de tinta à óleo.

Sobre o que conversavam? Sobre sonhos (ou pesadelos). A mulher, a mãe, já velha e enferma, revela seus temores diante de um sonho/pesadelo que sempre se repete: uma sensação incômoda de prisão. O homem, o filho, ainda que jovem e viril, compartilha do mesmo pesadelo e temor. Se este diálogo pudesse representar todos os elementos que compõem a fotografia ou o cinema (onde o movimento é pura ilusão), eu sentiria o mesmo temor. É quase como ter vida própria num espaço limitado de tempo e lugar. É quase como dar vida às imagens mortas e congeladas no tempo, compondo personagens, histórias e diálogos. É como entrar em sintonia com o diretor e compartilhar das mesmas “pirações” e/ou inventá-las. Imagine se pudéssemos ouvir o que as imagens nos dizem! Falariam dos seus medos? Da sensação estranha de aprisionamento? Do pavor da morte? Saberiam quem são e o que fazem naquele lugar? Tão escuro e distante? Tão limitado e estranho? Nessa leitura seria o possível punctum? Minha forma de ver e imaginar?

Uma mãe enferma, imóvel, dependente de um filho, jovem, ágil e solidário. Uma mãe que resiste ao tempo, cruel e veloz. Por vezes não entende porque ainda existe, tão velha e cansada. Teme e deseja a morte. Sente-se inútil e um fardo para o filho. Para que existir? Mas o filho é solidário e amoroso. Ainda que ela não consiga mais caminhar sozinha, ele a carrega. Ele a leva e a movimenta em seus braços, ainda que ela permaneça imóvel. Sempre imóvel. Reconhece em si mesmo, a importância da mãe, sua origem. Para o cinema existir, a fotografia foi o caminho, o marco, e agora é vestígio. O cinema carrega nos braços, aquela que o originou e mesmo que algum dia a recuse, jamais poderá negar sua origem (como qualquer filho).

O filho por vezes sai de cena, fora de campo, coisa possível somente no cinema. A fotografia estática, a mãe, permanece sempre estática, enferma, imóvel. A paisagem que os envolve é como uma pintura ou uma limitada moldura de projeção, mas o filho e o som se movimentam constantemente. Sempre há som. Possível prova de movimento constante? Ainda que fora de campo ou manipulado na edição, sempre há o som. Som de um trem, de pássaros, de passos, sons da vida, constante, móvel, ágil.

O filho quer alimentar a mãe, como o movimento que ânsia por mover, carregar e salvar o estático. Já crescido, independente, livre, mas eternamente grato. A mãe por vezes se recusa a comer. Está cansada de ser carregada. De ser enferma, de estar viva. Por vezes relembra sua própria origem, na casinha distante, envolvida pela paisagem serena, ao som dos pássaros e grilos. Lembra de quando era viva e quando teve seu filho, o primeiro, de uma gestação difícil, mas tão amado e desejado. Nem todos aprovaram, mas ela o teve mesmo assim. Seria o cinema um temor para alguns? Uma origem difícil e rejeitada por tantos? Uma ilusão de movimento, sem cor e som, mas de certa forma, representação da vida? A mais fiel possível, talvez?

O filho acaricia a mãe, observa, ama. Ele confere se ela apenas dorme, teme sua morte. Sente pavor de perdê-la. Conseguirá ter vida própria? Conseguirá seguir sozinho? Deseja encontrá-la onde quer que esteja. Ele sofre. Necessita interagir, tocar, estar perto. Ele a repousa no jardim e mostra-lhe fotos. Metalinguagem? Uma foto vendo uma foto? Uma imagem vendo uma imagem?

E quando o movimento do filho cessa, o som permanece. A vida os envolve? A moldura da vida os acolhe nas folhagens e estradas. O filho passeia sozinho. Pensa. Reflete. Chora. Distancia-se. Quer fugir? Quer voltar? Saiu pra pensar?

E ainda que ele repouse, sempre há o som. Diegético e extra-diegético? Por vezes ele a carrega, mas sempre repousa. Descansa. Seria a confirmação do cinema como ilusão? Ilusão do movimento? Ao cessar da película, interrupção?

A mãe fala do medo da morte e ele fala que ela pode viver quanto quiser. Escolha sua? Inevitável morte? Ela questiona o porquê, ele explica que se vive por alguma razão: a razão de apreciar a vida. E quando pensamos que ele irá se libertar, ele retorna para seu lar, sua origem. Às vezes caminha, às vezes corre, e ainda que repouse, a vida os envolve.

No passar das nuvens e no balançar das árvores, numa borboleta ou numa mosca, sempre há vida. Sempre há movimento, além do filho. Ele é envolvido pelo movimento. Ele é movimento no movimento, mas também repouso. Assim como a mãe é enferma, e está sempre no limite da vida e da morte, como a fotografia, congelada no tempo, também está viva na memória. Ao ler uma imagem, podemos criar o movimento que quisermos. Podemos projetá-la para fora de campo e imaginar continuidade, composição, histórias. Temos o poder nas mãos de sermos eternos “leitores”!

A mãe morre. O filho sofre. Ele deseja encontrá-la. Algum dia. Será a morte do cinema? Ele pede paciência. Pede que ela o espere. Ele a chama. Ele repousa. E a vida....continua....

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"Sim, a MULHER pode!" Dilma Rousseff

Diante dos diversos comentários preconceituosos e difamatórios contra a presidenta eleita Dilma Rousseff e seus supostos eleitores, senti ainda mais orgulho em ter apoiado sua candidatura no 2º turno das eleições.

Espero e torço pelo melhor do país e acredito na força e atitude de uma mulher como presidenta. Espero que ela tenha a doçura e sensibilidade de uma mãe e a firmeza e seriedade de uma mulher.

Confesso-me uma analfabeta política em busca de alfabetização.
Votei na candidata Marina do PV no primeiro turno, por acreditar numa vida mais sustentável e me senti confusa e insegura após sua derrota.

Não sabia quem escolher: Serra (PSDB) ou Dilma (PT)?

As fontes? Mídias...

Recebi inúmeros e-mails difamatórios, irônicos, com teor cômico ou de ridicularização de um momento sério do país e senti vergonha em ver um "palhaço" ser eleito em forma de protesto à política atual, pois me perguntei quantos analfabetos assumem posturas de protesto, sem procurar se alfabetizar ou engajar-se por melhorias.

Quantos candidatos bem intencionados ficaram de fora para dar lugar a um protesto inútil?
Só será útil quando houver verdadeira mobilização e comprometimento por mudanças.

Na busca pelo conhecimento, percebi como fui e sou influenciada pela mídia e sociedade capitalista e como a elite do país, presente principalmente no Sul e Sudeste, posicionaram-se contra o atual governo, ou seja, PT, Lula e Dilma.

Busquei na minha experiência sensível, algum motivo para me posicionar contra este atual governo e não encontrei nenhum.

Exclui da lista a palavra "corrupção", por se tratar de presença constante entre meus vínculos sociais, portanto natural em qualquer partido, candidato ou instituição e pessoa que se proponha à representação. E com isto não digo que "o governo (Lula, PT) rouba, mas faz!" e sim, que o povo brasileiro sofre de um problema sério de desonestidade (jeitinho brasileiro) e não percebe que eleger um candidato é como eleger a si mesmo. O povo elege alguém do povo!

Enquanto não houver consciência de que nos pequenos atos cotidianos também reside a corrupção, a desonestidade, a ilegalidade, não teremos candidatos melhores se propondo a nos representar. Teremos pessoas como nós!

Enquanto houver quem se gabe de não pagar contas, de contribuir para à pirataria, de sonegar impostos, acumular assistências, e resolver tudo da maneira mais "fácil," não veremos mudanças significativas na sociedade acontecer.

Esforçar-se como pessoa honesta seria o primeiro passo.
Alfabetizar-se politicamente, o segundo.

Eliminado este critério, procurei buscar nos últimos 8 anos algum motivo que justificasse um posicionamento contra o atual governo e novamente, não encontrei nenhum.

Concordo que poderia ser melhor, como sempre poderá ser, mas ruim não foi.

Em nenhum momento do meu posicionamento difamei o candidato Serra, afinal não tinha argumentos para tal atitude, e ela seria incoerente com uma postura comprometida por melhorias. Até porque somente o que a mídia nos mostra não é definitivamente uma fonte confiável.

Enviei e-mail para a lista do mestrado, com estes mesmos questionamentos e nem metade da metade dos mais de 200 inscritos responderam. E outros também enviaram suas opiniões e manifestos, mas chocantes mesmo foram as várias reclamações sobre os conteúdos dos e-mails, julgados inadequados para a lista.

Uma lista de comunicação de estudantes de mestrado em educação.
Uma lista para discutir melhorias na Universidade Federal de Santa Catarina.
Discutir a educação e tudo que a envolve.

Então discutir política...inadequado?

Talvez o problema seja esse: falta de discussão.
E discutir não é encontrar respostas, mas fazer perguntas...problematizar.
Refletir sobre...

Dia 31 de outubro.
2º turno das eleições 2010.
7:00 Apresentei-me como mesária, pois fui convocada pela segunda vez nos dois turnos.
(e não sou funcionária pública ou voluntária.)
Confesso que é chato receber esta convocação, mas no dia é até divertido.
Conheci pessoas diferentes, presenciei situações curiosas e acompanhei cada minuto das apurações.

E o mais chocante neste segundo turno foi presenciar comentários preconceituosos como: "lugar de mulher é na cozinha e no tanque"; "de mulher mandona já basta minha esposa!", "eu não voto em sapatona!", "vamos separar sc do nordeste!", "nordeste não sabe votar", "dilma assassina!", entre outras palhaçadas ignorantes.

Quando a região mais pobre do país elege com mais de 80% uma candidata, apoiada por um popular presidente, a mensagem é séria!
É a união de um povo sofrido, lutando para não voltar para a miséria, ou no mínimo apavorado com esta possibilidade.
É reflexo de uma melhoria no país e diminuição da miséria.

E quem acha que "programas assistenciais" do governo siginificam "dar o peixe", nunca pescaram, pois R$200,00 seria no máximo a isca.

"Ensinar a pescar" seria estudar, trabalhar, mas quem conseguiria estudar ou trabalhar com a barriga roncando de fome?? Eu não consigo e nem imagino o que seja realmente essa dor.

E se o sul precisa trabalhar mais para surprir as necessidades de outra região é porque é afortunado. Não mora numa região quente, de solo pobre e população miserável.

E fiquei revoltada com comentários como estes "separar o sul do resto do país!".
Pensar assim é ser muito egoísta e montado em dinheiro, pois trabalhando em pedágios e filantropias sei bem que o pobre mais "fodido" ajuda mais que o rico em carro importado.

Falta solidariedade. Falta humanidade. Falta caráter pra este país.

Esta eleição é uma grande vitória para as mulheres, pois como disse Dilma, "Sim, a MULHER pode!" e uma vitória dos trabalhadores, que se submetem todos os dias a serem explorados e mal remunerados pela burguesia, pela elite capitalista.

Tenho certeza que existem acomodados usufruindo das "tetas" do governo, tanto do lado dos pobres, quando do lado dos ricos, mas tenho certeza também que muitos assistidos pelo governo, procuram melhorar a qualidade de vida, estudando, trabalhando, criando o próprio negócio, viajando pelo país, adquirindo casas, bens, livros, indo ao cinema ou acessando a internet.

E se antes eu já tive preconceito com um presidente considerado analfabeto ou semi-analfabeto, hoje me confesso uma admiradora, pois finalmente alguém verdadeiramente do povo, sofrido, miserável, lutou para estar onde está.

E quem disse que a escola da vida não alfabetiza?
Bill Gates, por exemplo, NUNCA terminou a faculdade, mas recebeu diploma especial de Harvard, pela contribuição que deu à humanidade.
E Lula tambem recebeu da USP, homenagem semelhante.

Podia ser melhor? Sempre, mas política não se faz da noite pro dia e é necessária paciência, tolerância e muita luta para plantar as sementes dos frutos que nossos filhos e netos irão colher.

Enquanto nossa atual presidenta lutou pela liberdade e voto direto, hoje muitos brasileiros ignorantes torcem conscientemente para não ter a obrigação e compromisso de votar!

Nunca vi tanta abstinência (num dia ensolarado de feriadão) e tanta indignação para ter que votar.
Ouvi muitos "que saco ter que votar!" ou seja, a falta de comprometimento consigo mesmo é enorme, pois se engana aquele que permanece na vontade cega de ser um analfabeto político!

sábado, 30 de outubro de 2010

Sobre citações no texto e na fala

Curioso quando lemos um texto e lá está ela: a citação direta ou indireta.
Até parece que todos os autores que lemos, ficam colados na memória de imediato.
Até parece que sabemos sempre pronunciar seus sobrenomes, sabemos as páginas de cor e o ano da publicação.
Até parece que o texto corre realmente solto, se não fosse esse detalhe tão (des)necessário.
Às vezes deixamos fluir, ignoramos as referências, mas ao final de muitas páginas, o trabalho de separar o "deles" do nosso, fica ainda mais difícil. Fui eu que pensei isso ou ele pensou? Eu posso me apropriar disso ou não? Passou de quatro páginas, faço recuo? Melhor citar que articular com as próprias palavras?
Na necessidade da citação e de formalizar nossa escrita, surge outro texto, editado, organizado e enquadrado. Aquele texto livre, leve e solto, tão bem (ou mal) articulado, dá lugar aos sobrenomes conhecidos (ou desconhecidos), anos, páginas, editoras, traduções e afins. Os recuos se fazem necessários e o texto fica desconfigurado. A formatação quase nos denuncia de apropriação. "Ei vejam, neste recuo não fui eu que disse, foi ele!"
Como se a colagem de um "pedaço" de autoria tivesse um peso maior que a construção suada de quem escreve. Como se o "pedaço" não estivesse descolado do seu contexto original e inserido em outro contexto, não ganhasse um novo olhar, uma nova abordagem.

Eu prefiro a citação da fala, pois é espontânea, natural e verdadeira.
Realmente nos esforçamos para lembrar da origem de nossos pensamentos, mas às vezes eles são crianças levadas, que roubam nossa ordem e correm descontrolados na desordem.
Para citar é preciso brincar de pega-pega, correr atrás dos pensamentos levados e organizá-los da melhor maneira possível, colocando cada coisa em seu lugar, em meio às risadinhas, pois não há quem escreva, que não espie a cola dos nomes. Para citar é preciso espiar, pois ninguém guardaria na memória tantos detalhes desnecessários.

O que eu quero da minha vida?

Quero minha vida tal qual como é...
De lágrimas e sorrisos
De erros e acertos
Tardes preguiçosas e dias produtivos
reflexões, pensamentos...
Esvaziar a mente no cinema
E encher tudo de novo
ter leituras pendentes
Como filmes, músicas, experiências...
Viajar na mente e na estrada
Sozinha ou isolada
E viajar acompanhada...
Madrugadas de orgarmos
criativos e psicodélicos...
Rodas de conversa, amigos e cerveja
Boa comida na mesa.
Falar sobre a vida
confundir-se com ela
Como faz a birita.
Ler Nietzsche, Kant e Montaigne
ou sobre vampiros também.
Ouvir Raul, Legião e Paralamas
dançar ao som de um samba.
Sorrir acompanhando o sol
Ou chorar como chora a chuva.
Ser intensa, poeta e prosa
Ser sensível como uma rosa.
Amar como eu amo a vida
Amar meu bay, príncipe encantado
Perfeito imperfeito, melhor amigo
Com ele pensar o futuro
Sem ele sonhar o futuro
Amar amigos e conhecidos
passageiros da estrada-vida
Amar família, vínculo eterno
Pareceria sempre divertida
Diversão na comédia
depois da tragédia
Nas guloseimas e jogatinas
Rir das piadas e mesquinharias
nascer redonda
percorrer quadrada
essa louca viagem
da vida na estrada
Construir na experiência
meu próprio scrapbook
colando nos anos, todo o inédito
E na rotina, rebelar-se
Recusar a ver só de uma forma
ver a graça e o sensível
Em cada rasgo, ferida
Em casa cola, harmonia.

Rascunhado na aula de Teorias da Educação em 27/10/10 - quarta-feira ensolarada.

Nietzsche - um verdadeiro profeta

Diante de 5 textos de Nietzsche, seria um desperdício não tecer comentários ou construir um texto que sintetizasse uma leitura densa, complexa, mas prazerosa.
É uma grande honra finalmente conhecer Nietzsche e também um grande pavor.
Das 6 páginas originais, destaco apenas uma pequena parte, pois a essa altura do mestrado é melhor preservar-se e guardar certos pensamentos para si, pois nunca se sabe o quão selvagem é nossa sociedade.

Trecho do texto:

Em “Assim falava Zaratustra – um livro para todos e para ninguém”, texto difícil e poético, Nietzsche nos fala do Super-Homem e “escreve certo por linhas tortas”, pois parece um Deus ditando uma bíblia e cita Jesus, ídolo e companheiro. Um texto marcado por passagens, aborda assuntos muito bem citados na Bíblia, mas como não a li inteira, associo pelo menos aos 10 mandamentos.

Se Deus for substituído pelo “Eu”, ame-se mais do que a qualquer outro e se ame acima de tudo, pois as "pessoas são prisões" e é necessário libertar-se.

Se invocar o santo nome for valorizar-se ou julgar-se acabado, esqueça, pois a transformação é um processo longo e doloroso, eternamente inacabado e a busca é necessária.

Se guardar os domingos e festas, for preservar-se dos prazeres, e manter-se casto nesta mesma busca pelo espírito-livre, é necessário libertar-se das fraquezas e desejos humanos.

Se honrar pai e mãe for honrar os clássicos, os pioneiros, os criadores, os verdadeiros responsáveis por buscarem as essências humanas, todas já esgotadas, segundo Nietsche, quando o homem ainda era primitivo, é necessário honrá-los todos os dias, respeitando suas vontades e verdades.

Se não matar for evitar causar dano ao corpo e alma, de si e do próximo, é necessário, novamente, preservar-se, amar o corpo e entender que “há mais razão no corpo que em tua melhor sabedoria”.

Se guardar castidade nas palavras e nas obras, nos pensamentos e desejos for justamente comportar-se de forma consciente, voluntário da abstinência de prazeres e talvez, da prática de atos sexuais, é necessário grande esforço e equilíbrio para tal, pois a “cadela sensualidade permanece à espreita e trai o desejo em tudo que fazem. Até nos cimos de sua virtude e nas zonas frígidas do espírito, a besta monstruosa os persegue e os inquieta. A castidade é uma virtude, mas em muitos é quase um vício.”

Se não furtar é não reter injustamente ou danificar os bens do próximo, é necessário compreender que são poucos os que alcançam a capacidade de criar, sem precisar apropriar-se do outro.

E se levantar falso testemunho for discursar sobre verdades absolutas, é necessário compreender que “tudo veio a ser; não existem fatos eternos: assim como não existem verdades absolutas.”

E por último, se cobiçar as coisas alheias for desejar ser outra coisa e não a si mesmo, é necessário entender que as transformações exigem tempo, paciência e espera, e o verdadeiro super-homem planta, para que outras gerações possam colher. (...)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Tempo...

Depois de dias e semanas sem inspiração (ou tempo) para escrever, retorno com uma sede gigantesca do saber, após fazer leituras (na verdade, colocá-las em dia) para disciplina de Teorias da Educação.
Quem me dera que o tempo físico correspondesse ao tempo do pensamento, tão rapido, mas produtivo, diferente do físico, rápido, mas incapaz de aproveitar toda a vontade que reside em mim, de ler, escrever e refletir...
Após um dia inteiro de leituras e horas de escrita, estou esgotada, porém, espero ansiosa pelo dia seguinte, onde retomarei as leituras e pensamentos deixados de lado, enquanto o tempo me consumia em outras atividades, tão importantes quanto esta de pensar.

Em breve, coisas novas. Novas ideias, piadinhas, devaneios e textos.

A história da pedagogia moderna (e de como fiquei surpresa, e parcialmente esclarecida, sobre minha educação escolar)

Duas semanas depois da discussão do texto “Século XVI: O início da pedagogia moderna” do livro “História da Pedagogia” de Franco Cambi – texto que ainda não havia lido na ocasião – resolvi encarar hoje, tarde chuvosa de quinta-feira, 14 de outubro de 2010, uma longa leitura, embarcando numa viagem pela história da pedagogia moderna. Tarde esta, repleta de esclarecimentos acerca da minha vida escolar. Surtos de pensamentos “ahá! Agora eu entendi” seguidos de surtos maiores ainda de pensamentos e algumas palavras impulsivas em voz alta de “Agoooora eu entendi!!!!”, tornaram minha clareza intelectual ainda maior e mais ansiosa por novas leituras. Continuo acreditando que quem lê viaja e quanto mais leio, mais quero ler. Sede inalcançável do saber!

A mágica leitura começa com o título “Um século de grandes fermentações”, referindo-se ao Século XVI, marcado por profundas fermentações e contradições, segundo Cambi, nos mais diversos campos: social, político, religioso e cultural. Época marcada pelo individualismo, domínio da natureza, Estado moderno (territorial e burocrático), afirmação da burguesia, economia de mercado e capitalista, etc. Século onde o “velho e novo se defrontam” e onde a leitura dos “clássicos torna-se estímulo para uma criação nova, estética e não mais apenas imitação”. (aula de ECO me assombrando por aqui – não imitar, colocar seu EU no texto e blábláblá – como se eu não fizesse isso sempre e como se eu não sofresse imenso preconceito por parte de professores, colegas, amigos e afins, demonstrando uma atitude incoerente com a fala e/ou um discurso ainda não colocado em prática no convívio da academia. Ou estou muito errada ou estão muitos, muito errados! Vai saber!)

E como formigas que percorrem uma trilha segurando pedacinhos de folhas, Cambi nos “alimenta” (referindo-me à sede/fome do saber) com pedacinhos de teorias que ajudaram a construir a pedagogia moderna. Na transição do medieval para o renascimento, reside a radical transformação do homem, que antes pecador, submisso e “sujo”, passa a ser dono do próprio destino. Não quero aqui desmerecer os lembretes de Pessanha em seu texto “Humanismo e pintura” do livro Artepensamento de Adauto Novaes, onde alerta para os cuidados de não rotular como extremos medieval/renascimento, já que esta transformação ocorreu gradativamente, na medida em que a estrutura sócio-econômica européia se modificou e possibilitou ao homem à reflexão sobre a própria existência, colocando em debate as relações hierárquicas da época e pensamentos aristotélicos/tomistas sobre o lugar das coisas e do homem.

O homem não tem um lugar preciso na sociedade. Os “novos-ricos” também podem ascender socialmente, já que as atividades urbanas permitiram tal ascensão. O homem renascentista passou a reivindicar sua liberdade, seus valores e direitos. Reivindicou sua dignidade. O homem renascentista tem a capacidade de criar, inovar, descobrir, pensar, moldar o ambiente e os recursos disponíveis para própria sobrevivência. Ele é superior a todos os demais seres da natureza (veremos se isso é verdade, hãm!) E neste caso, sendo o conhecimento, possibilidade de poder, como já visto nas instituições religiosas, o homem renascentista reivindica este poder. O homem passa a ser considerado o “Deus na Terra”, capaz de intervir e agir nas forças da natureza. É capaz de mostrar a divindade da sua mente, por meio da linguagem e mostrar que recebeu dons divinos do intelecto e das mãos.

No renascimento retoma-se Platão e a importância das virtudes. Estudar, experimentar, pesquisar é enxergar a beleza do novo e do detalhe. O conhecimento aperfeiçoa e adorna o homem. Mas quando se fala em experiência, não é aquela corriqueira, do senso comum, mas controlada, instrumentalizada, como vista nas obras minuciosas de Leonardo Da Vinci, artista renascentista, que se preocupou em estudar a fisionomia humana para retratá-la da forma mais fiel possível., entre outros experimentos. Experiência como aprimoramento de uma técnica, de um saber, de observações, pesquisa e relações. Com as descobertas, surgiram dificuldades e com elas, as necessidades, que por sua vez, estimulam novas descobertas. E neste ritmo de exaltação humana e incentivo à pesquisa e à curiosidade, exaltou-se a ciência, a razão humana, e separou-se de vez a fé da razão e o divino do humano. E é nesta divisão que reside a dúvida, a capacidade de questionar e pensar sobre a própria existência. E com a dúvida, destroem-se verdades absolutas, tanto tempo ditas, mas completamente frágeis. E criam-se verdades possíveis.

Contagiada por Pessanha, retorno ao texto de Cambi, posterior à revelação humana do renascimento, de um novo humanismo. Diante do desenvolvimento do urbano, das ascensões sociais, dos questionamentos e valorização do homem, parece natural que a educação e pedagogia sofram profundas transformações. “O século XVI renova a educação religiosa e a formação do cristão, afastando-se tanto dos terrores e compromissos da Idade Média quanto do cristianismo neoplatônico do humanismo.” O individual começa a ganhar grande importância e a ética, estende-se entre indivíduo e sociedade. Este pensamento forma o homem moderno, posterior ao renascentista, que deve “formar-se, ao mesmo e sempre, por si e por outros”. Por isso, a pedagogia moderna caracteriza-se por mudanças nas técnicas educativas e escolares, criando um sistema de vigilância sobre o indivíduo, reprimindo-o e controlando-o. A escola moderna assume um papel instrutivo, planificado e controlado, racionalizando todos os seus processos e exercendo um papel social, civil e profissional. A escola moderna nasce com a Igreja no poder soberano do conhecimento, dando lugar ao Estado, que passa a carregar a responsabilidade da educação do homem.

A Reforma e a educação

Diante de um novo humanismo, ainda envolto no religioso, rompe-se também a hegemonia do cristianismo, através de Lutero, Calvino e outros adeptos de uma nova forma de pensar a religião. Se antes o trabalho era desvalorizado na tradição clássica e medieval, com o novo humanismo ganhou reconhecimento, e tornou-se potente estímulo à fundação do mundo moderno e o surgimento da civilização capitalista. Este novo homem, capaz de criar e pensar, poderia exercer individualmente reflexão entre sua fé e as Sagradas Escrituras. Durante a Reforma, privilegiou-se então a instrução dos grupos burgueses e populares com o fim de criar condições mínimas para uma leitura pessoal dos textos sagrados, por isso, essa necessidade da leitura e do saber passou a pautar os princípios da educação moderna, pois somente um homem instruído poderia dar continuidade à reflexão individual.

Para Lutero, a educação deveria apoiar-se no estudo das línguas para compreensão do Evangelho. Portanto a escola deveria ser organizada em quatro setores: línguas; obras literárias; ciências e artes; e jurisprudência e medicina. A freqüência escolar se limitaria a uma ou duas horas por dia e o tempo restante dedicado a trabalhar em casa e aprender um ofício. (coisa feita por nossos avós e porque não dizer, até hoje, como visto nas tardes ocupadas por aulas de artes marciais, culinária, artesanato, desenho, línguas estrangeiras, etc?) No centro da vida escolar está o mestre, que substitui a família, quando esta se mostra incapaz de desenvolver o próprio papel formativo em relação ao jovem. (Não estaria aqui um grande problema e possibilidade de argumentação para sustentar uma discussão sobre o descaso antigo/atual dos pais/famílias com seus filhos, jogando toda responsabilidade de educação dos seus filhos às escolas e aos professores, também pais/famílias, seres imperfeitos e incompletos como todos os outros??)

Além de Lutero, outros colaboradores como Melanchton, Calvino e Erasmo sugerem um modelo de educação semelhante, pensando na instituição da escola, instituída e financiada pelos administradores das cidades, como lugar para capacitar o homem a compreender o Evangelho, ainda que individualmente.

Melanchton defende a importância da instrução e da cultura antiga para penetrar a verdade das Escrituras. “Diz que a ignorância é a maior adversária da fé, por isso deveria ser combatida, mediante uma reforma radical das escolas e recuperação da autoridade cultural e moral dos educadores.” A função da escola é formar indivíduos cultos e conscientes através de uma instrução clássica e rigorosa, atribuindo às autoridades civis a tarefa de instituir e financiar as escolas e de nomear professores de boa cultura clássica.

Calvino também defendendo a salvação do homem através da Palavra divina contida nas Escrituras, acreditava na necessidade da freqüência escolar para todo representante da nova Igreja, apontando as línguas e ciências seculares como os instrumentos fundamentais da formação humana. Somente um homem instruído poderia administrar a cidade.

Erasmo, complementa a época da Reforma, afirmando a centralidade da educação e a necessidade de uma língua universal, tida como necessária para a comunicação e paz entre os povos. Também recomenda o estudo dos clássicos, das línguas antigas através da conversação, leitura e contato direto com textos, sempre associados à vida cotidiana e com várias disciplinas como teologia, agricultura, geografia e história. Ele acreditava que o cultivo da razão era essencial para a verdadeira humanidade e a tarefa de cultivar compete à educação. Recomenda que isto seja feito a partir da mais tenra idade para que os maus hábitos ainda não tenham se estabelecido no indivíduo, sempre respeitando as limitações físicas e temporais das características naturais de cada idade. A natureza – dotes físicos e mentais, o método – orientação e instrução e a prática – relação entre a natureza e o método, formariam os três principais fatores da educação, além da importância do mestre, que reconheceria as diferenças individuais os sujeitos e seguiria as modalidades de ensino mais oportunas. Erasmo ainda destaca a importância da preocupação dos pais com a educação dos seus filhos e a responsabilidade da comunidade em providenciar escolas eficientes, sendo uma função pública.

A proposta de Erasmo seria o sistema didático mais completo do humanismo europeu, ainda que ignore estudos não listados, mas apontando problemas mais gerais da pedagogia e soluções possíveis como atenção à infância, promoção da educação pública e formação dos educadores, assuntos contemporâneos e discussões inacabadas.

A pedagogia da Contra-reforma e as novas instituições educativas

Com a ruptura do cristianismo, operada por Lutero, diz Cambi, a Igreja Católica precisou renovar sua doutrina. O Concílio de Trento surgiu como proposta, mas é combatido pelo antigo espírito da Idade Média e pela filosofia aristotélica-tomista. A Contra-Reforma preocupou-se em propor “um modelo cultural e formativo tradicional em estreita conexão com o modelo político e social expresso pela classe dirigente”, dando vida a novas instituições de ensino, ligadas ao modelo colégio/internato. “O homem se redime do pecado não pela fé, mas também através de suas obras.”

O hábito e a obediência são indicados como meio e fim da educação e é neste patamar, de renúncia, que estaria melhor preparado o sujeito para a vida adulta. Foram alguns colaboradores deste pensamento, Antoniano, Ângela Merici, Zaccaria, São Jerônimo, Calazans, Néri e Loyola.

Para Antoniano, a educação moral era baseada no temor de Deus, no papel central da família, do pai, educação feminina e escolar. A educação para ele seria um meio de melhorar a sociedade cheia de corrupção e calamidades e na renúncia total dos questionamentos sobre a fé. (formar cidadãos submissos?) Ou ainda que existam questionamentos, que eles sejam controlados, organizados rigidamente, desvinculando-se ao caráter de liberação e exaltação do homem, proposto pelos mestres renascentistas.

Ângela Merici, única mulher destacada por Cambi e responsável por um modelo de educação, preocupava-se em educar moças, consolando “virgens aflitas, instruindo ignorantes, amparando as pobres, visitando enfermas e abraçando qualquer dificuldade”.

Zaccaria, interessado em lutar contra uma heresia coletiva, propôs um modelo rigoroso de formação de jovens religiosos, destacando-se a leitura, línguas antigas como latim e grego, história, matemática, além da dança, esgrima e música. (importância das artes).

Entre tantas contribuições, uma de extrema importância foi a de Néri, que além de afirmar semelhanças com os colaboradores anteriores, destacou o significado educativo das atividades físicas, lúdicas e teatrais a favor dos jovens de condição humilde, afastando-os dos perigos e riscos dos seus ambientes de procedência.

Na Contra-Reforma, a disciplina e obediência são as grandes virtudes para o homem cristão, e prioriza-se a submissão, a repetição, memorização, criando um problema enorme discutido atualmente: o grande problema de pensamento, construção da opinião crítica e capacidade de análise individual. Os sujeitos não aprendiam a pensar e colocar-se no mundo. (e ainda não aprendem! Como fazer? É uma pergunta que nos assombra!)

O Renascimento pedagógico na Europa

Num período caracterizado por “intelectuais empenhados numa dura luta contra a cultura tradicional e escolástica para a afirmação de uma concepção educativa de tipo fisiológico e literário”, surgem novas instituições para a formação e novas concepções pedagógicas, baseadas em intelectuais anteriores, como Erasmo (aquele da proposta mais completa, ainda que imperfeita).

Vives propõe um método indutivo como guia nos processos de ensino-aprendizagem, pois considera “o conhecimento, aquele que recebemos quando os sentidos são levados a observar as coisas corretamente e de maneira metódica, conduzindo a uma clara razão”.

Rabelais, também leitor de Erasmo, e autor de uma obra de ficção marcada pela ironia e sutileza da crítica “Gargantua”, propõe uma concepção da educação caracterizada pelos estudos dos clássicos, pelo jogo e pelas atividades físicas, e ainda pelas ciências naturais, medicina e Sagrada Escritura. A atividade educativa é articulado em atividade de estudo e de jogo, intimamente harmonizadas. Nesta educação, homens e mulheres se reúnem livremente sem qualquer obrigação, dedicando-se ao jogo, estudo, ao amor, e entre eles não haveria nenhum sequer que não soubesse ler, escrever, cantar, tocar e falar diversos idiomas.

Na base do pensamento de Rabelais, está Montaigne, que reside num meio termo entre fé e razão, homem e divino, medieval e renascimento, antecipando uma visão moderna da educação. Para ele, a educação deve preocupar-se com a capacidade de julgamento do indivíduo e do espírito crítico dos alunos, coisa ausente em muitos professores, criticado duramente por Montaigne. (problema encontrado hoje, talvez por desvalorização das artes e formação do professor)

Na educação deve residir a dúvida, o questionamento, a capacidade do aluno de ser curioso, de ter vontade de aprender e de se colocar diante das coisas e do mundo. Tudo que nos rodeia é válido para a reflexão. Montaigne valoriza as leituras, viagens, conversações, educação física, filosofias, que ensinam a viver, e histórias, que entram no mundo dos homens. E aqui mais uma vez, ressalta a importância da associação do conteúdo com a vida cotidiana.

O crescimento da Modernidade: educação e pedagogia

Antecipando uma maneira de pensar como vista em Montaigne, o século XVII sofreu profundas transformações e modificações acerca da identidade do homem, Estado moderno como estado absoluto, a nova ciência, economia capitalista e criação da sociedade e do sujeito moderno. Se ainda pouco, vimos concepções interessantes sobre educação, resgatando os clássicos, e propondo métodos, a Modernidade deu lugar a uma educação responsável pelo sujeito moderno, que priorizava o controle, o direcionamento para certos comportamentos e normas, assemelhando-se às concepções da Contra-Reforma, valorizando a disciplina, ordem, obediência e submissão. Diferente do caráter religioso, o poder não reside na Igreja, mas no Estado, e agora, o sujeito ainda que seja um “si” individual e consciente da própria existência e complexidade, é também um sujeito radicalmente governado pela sociedade e suas regras. A escola passa a ser responsável pela formação do homem civil, bem-educado e de boas maneiras.

Busca-se com isto, teorizar a educação e a pedagogia, e “Comenius propõe um modelo universal de educação, que veio mediar ciência, história e utopia sobre um pensamento rico de passado e carregado de futuro”. Cambi fala da necessidade da pedagogia ser reconhecida como ciência e autônoma da filosofia e teologia.

O estudo de uma língua universal é reforçado como importante recurso para o bom relacionamento entre os povos. E para isso, o ensino deve considerar as limitações naturais de cada fase de aprendizagem, repetindo o conhecimento de forma gradativa e aprofundada nas diferentes fases, delimitadas como fases elementares, médias e superiores. Sugere-se a associação das palavras às imagens e da importância de bons professores, cultos e sábios, considerando as capacidades de cada aluno e da gradativa construção do conhecimento que ocorre nos jovens.

Outra importância contribuição desta época, é a valorização das narrativas como preparação para a conversação. Inicia-se o uso das fábulas, contos de fadas, carregados de significados morais, gradativamente despertados na infância e já trabalhados na juventude e fase adulta.

O nascimento da escola moderna

Com a criação do método científico, a divisão dos conceitos de mente e pensamento, fé/divino e realidade natural, surge um modelo de educação preocupado com a aprendizagem intelectual ligada à formação da mente, que encontra na instituição da escola, regras disciplinares, práticas de ensino e programas bem estruturados e bem definidos. (perdeu-se aqui a importância das Artes?)

A escola, como sugerida por diversos intelectuais e colaboradores, passa a ser de responsabilidade do Estado, capaz de formar o homem-cidadão, o técnico e intelectual. (trocou-se o bom cidadão pelo bom cristão). Tem por função combater o analfabetismo e difundir os rudimentos da cultura (ler e calcular) e as classes são divididas por idade, mediante disciplinas e submetidas à prática de exames.

Diante das contribuições históricas e diferentes concepções educacionais, a escola se divide num sistema de 3 estruturas básicas: público-estatal; religioso-eclesiástica e privada.

A escola elementar inicia no sujeito, fazendo uso dos instrumentos básicos de elaboração cultural, o ensino do alfabeto e dos números; a escola média tem caráter profissional, talvez por isso, escolas técnicas substituam o atual ensino médio, e a superior instrui sobre conhecimentos específicos, profissões superiores ou liberais.

Há ainda a divisão do tempo em lições, didática, avaliação através do exame, livros de texto e construção do conhecimento partindo do simples para o complexo. Criam-se rituais na vida escolar, como as chamadas, registros, boletins, que permanecerão centrais em toda história da escola moderna, exercendo um papel disciplinar e formativo.

Com uma série de rituais e ferramentas de avaliação, a escola passa a ser responsável pela formação do homem civil, que necessita tornar-se bem-educado, adequando às regras de comportamento social, estilo de vida e usos corretos do corpo e das relações sociais. Com isto, criam-se rituais na própria vida social, não listado por Cambi, mas que saltam em minha mente com uma clareza gigantesca, como os rituais tradicionais sociais e religiosos da formatura, casamento, batismo, aniversários, enterros, posses e afins.

A escola passa a ser um lugar de socialização das regras sociais relativas à saudação, refeição, conversação, diversão, passeio e enfim diversos momentos da sociedade. (de corte e atual). A corte assume um lugar central de estilo de vida e de cultura que impõe modelos de comportamento e ideológicos, fazendo surgir a noção de status social. Surge a sociedade civil, vigiada, controlada e enquadrada como modelo a ser seguido.

E reforçando a importância do uso das narrativas de caráter educativo, valoriza-se o romance e o teatro, como forma de despertar o imaginário individual do sujeito, e toda sua complexidade, autonomia, contradições, fazendo-o refletir sobre si mesmo e sobre o mundo, ainda que continuamente controlado pelo Estado.

Adorno e Becker comentam sobre este assunto paradoxal de liberdade de pensamento e controle de ações, de forma indireta, quando debatem sobre a emancipação do sujeito, como forma de libertar-se da menoridade, conceituada por Kant, como um estado “auto-inculpável, de falta de entendimento, decisão e coragem de servir-se sem a orientação de outrem”. É possível de fato se emancipar? Ser livre, seguindo as próprias determinações, desordenando o ordenado? É possível não ser influenciado pela sociedade nas escolhas, decisões e comportamentos, tão impregnados de padrões e modelos?

Os dois autores recomendam a rebeldia. Que a rebeldia permaneça, ainda que seja minoria e combatida num lugar onde é extremamente importante, como as Universidades.

Finalizando o texto de Cambi, surge Locke, fundador do empirismo, que seria o pensamento crítico que pretende submeter toda afirmação à prova de experiência, sem desconsiderar a necessária relação existe entre a instrução proveniente do mundo externo e o desenvolvimento interno da mente e das suas funções intelectuais. (Ciências humanas?)

Locke era contra o autoritarismo e as punições corporais como métodos educativos, exaltando os princípios da liberdade e da autonomia dos educandos. O verdadeiro gentleman seria o “homem capaz de renunciar aos próprios desejos e seguir unicamente aquilo que a razão lhe indica como melhor, mesmo que os apetites o dirijam para outro lado”. Talvez a capacidade de fazer a melhor escolha, próxima à humanidade, dentre as possíveis?

Ainda que isto não seja visto na nossa realidade da forma que deveria e poderia ser, Locke acredita que educar bem os próprios filhos é dever e preocupação dos pais, e o bem-estar e prosperidade da nação dependem disso. É função da educação, que ocorre nas instituições da família, escola e trabalho, “formar homens virtuosos, úteis, capazes de bem desempenhar tarefas a que se dedicarão.”

Para finalizar, Locke acredita num “estado feliz do mundo”; raciocinar com as crianças como meio de ensino; formação prático-pedagógica em relação à intelectual e da utilidade das disciplinas ao ensinar os jovens; centralidade da experiência que desenvolve a natural curiosidade das crianças e jovens, amadurecendo seus interesses e afirmando-se através do jogo e trabalho. Ele também ressalta sobre a importância da educação do corpo, também libertando-o das delicadezas da época, e da alimentação comum e simples em refeições regulares. E quanto à educação do caráter e da mente, ressalta que os ensinamentos devem acontecer através do exercício, hábito e raciocínio, diferente da imposição das regras. E por fim, sobre a educação moral, aquela que desenvolve virtudes, deve o professor, preceptor, ser o exemplo prático, para que através da observação da criança, possa ser seguido como modelo de respeito, sujeito consciente das leis, de coragem, compaixão e oposição à mentira.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Barthes...

Terça-feira nublada. Tarde de Barthes.
Corpo presente, mente ausente.
Não sei ao certo aonde estou.
Nem aqui ou ali, só não estou.
A mesma fala monótona.
O mesmo silêncio de sempre.
Quando não falo, pouco me envolvo.
Quando me privo, sinto vazio.
Sem experimentar ou falar-escrever, não leio.
Sem experiência sensível: silêncio!
Barthes querido, me desculpe, mas cansei de você. Hoje. Talvez só hoje.
Às vezes não sei te ler.
Inundas minha mente constantemente.
Vejo você em tudo e tudo em você.
Caso de amor, autor-leitor.
Mas ainda assim, cansei de você. (só um pouco talvez)
Enquanto vejo portas pra entrar, escolho nenhuma e todas.
Sinto-me cobrada e também abandonada.
Ó paixão incômoda, convicção insuportável de ser.
Quero ser assim e ponto.
Quando não quero: tento, mudo.
mas quando quero, outros não querem.
Sempre há aquele que sugere o que não quero ser.
Inclusive ouço como não devo ser.
Mas sou. Não só quero, mas sou e ponto.
Talvez crucificada, eu serei. Uma herege talvez.
Talvez depois da morte, reconhecimento...ou não.

Sejamos egoístas! (arrogantes e impulsivos)

Lição de hoje: Não seja arrogante, egoísta e impulsiva!

Mas se arrogância for acreditar nas próprias convicções. Eu prefiro.
Se egoísta eu for pelo conhecimento, sede do saber, pelo ouvir, falar, trocar. Eu prefiro ser.
Se impulsiva eu for com as emoções, toque, fala, relações.
Ser aquela que oferece a conversa e convida para a amizade.
Que troca e não tem medo de trocar. Eu prefiro sim.
Se não sou aquela que reprime, porque sou reprimida?
Se ouço que não devo julgar, porque sou julgada?
Não reprimir. Deveria ser um mandamento.
Julgar? Inevitável.
Prefiro deixar o outro ser o que quiser ser, desde que não me afete.
Não me intrometo. No máximo, contribuição, sugestão, opinião.
Não sou dona da verdade, nem ninguém.
Não há coisa mais inconveniente que uma crítica não solicitada.
Mas sei eu se não faço isso?
Se alguém me envergonha, aceito, aturo.
Se alguém é diferente, tento, lido.
Se alguém me "punctua", aproveito.
E já dizia o "ditado": Cada um no seu quadrado! (círculo, hexágono, triângulo, ...)

Devaneios de aula

Distância das coisas. Reflexão da reflexão.
Ser for assim, essa não sou.
Ao invés da distância, proximidade, paixão.
Nervos à flor da pele. raiva. explosão.
Emocional aflorado. Se antes defeito, qualidade.
Se antes qualidade, defeito. Não há consenso.
Vejo o silêncio como quem consente, acomoda, conforma.
Eu prefiro não.
Prefiro não me acomodar, calar, consentir.
Às vezes prefiro não dizer, gritar, expressar.
Se antes certeza, agora insegurança.
As palavras correm antes que cheguem aos lábios.
Maratona de significados. Soltos, incertos, inseguros.
Viver é lutar e viver esmaga. Desvaloriza. Derruba. Assassina.
Um dia após o outro. levantar, cair e levantar.
Alguns dias no chão, outros de pé.
Mas necessário. Sinto-me um mal necessário.
Provocadora. Coringa. Incendiária.
Aquela que é aprisionada no final da confusão.
Aquela sozinha, solitária, isolada.
Mas viva. Intensa. Completa incompleta.
Aquela que grita diante da multidão calada.
Ainda prefiro ser.
Porque sendo, sinto. Melhor que o silêncio, o vazio, o nada.
Melhor ser algo.
Prefiro a marca, a cicatriz, o rasgo.
Prefiro as rugas mapeando a face, marcando o tempo.
Não que não me apavore, mas aceito.
Não que eu não resista, mas tento.
Não que eu não deseje o contrário, mas entendo.
Adrenalida de face rosada. Voz exaltada.
Vontade de agredir, ferir, chutar, gritar, chacoalhar.
Instinto pulsando na veia.
Não quer vir junto, fica. Fica!
Como o tempo, não espero. Sigo sozinha.
Antes só do que mal acompanhada, mas quando só, tristeza.
Busca incansável por um lugar, um ideal.
Tormento sem perspectiva.
Chama de fé. Quente, reluzente e forte.
Adredito em algo. Sigo cegamente. Preciso.
Determinada, permito impulsos e vontades.
Mal necessário. Sinto-me mal necessário.
O tempo todo, constantemente.
Em raros momentos, um grande e largo sorriso se acende!

III Seminário de Pesquisa em Mídia-Educação

Quando se tem como formação o cinema e quando se faz um mestrado em educação, voltado para o cinema, o que se espera de um evento em mídia-educação, é a presença das mídias.

Auditório da Educação Física, abertura lotada de interessados, telão, vinheta, apresentação musical. Falas engajadas, amadas, odiadas, mas sábias.

Segundo alguns, a "nata" da pesquisa em mídia-educação estava presente, porém como participante-assistente, esperava mais.

Mais mídia.
Mais imagem.
Mais demonstração que fala.
Mais domínio que discurso.

Aquela estrutura de sempre se manteve: palestrantes atrás de uma mesa/cadeira, alguns slides no powerpoint, letra preta em fundo branco, e longas considerações.

De uma abertura cheia, nem metade permaneceu de tarde e igual ou menos, no dia seguinte.
Dois dias, uma proposta interessante, uma tal "nata" presente que não foi ruim, mas podia ser melhor, devia ser melhor.

Acredito que a transformação em mídia-educação (educação para, com e sobre os meios) só poderia ocorrer quando aquele que se propõe a pesquisar for exemplo e deixar de apenas citar exemplos.

Enquanto houver professores que apenas falam como fazer, os alunos continuarão apenas falando como fazer e o "fazer" deixará de ser uma prática para existir só na fala.

Sei que foi escolha de alguns não fazer uso de mídias, mas ainda assim, devia fazer.

O que teria Montaigne a ver com educação?

Livro: Introdução à Filosofia da Educação - Temas Contemporâneos e História

Síntese-Ensaio do texto:

FILOSOFIA, EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS E PAPEL DO PRECEPTOR EM MONTAIGNE

de Divino José Da Silva

Montaigne e seu tempo

Montaigne viveu durante a época do Renascimento (séc. XVI), período em que o homem desenvolveu uma nova percepção sobre a relação com o mundo e com os outros homens, e começa a atribuir a si mesmo a responsabilidade pela condução do destino. (preocupação com a formação do ser/o homem faz seu próprio destino/valorização da experiência sensível)

No lugar da certeza, a dúvida

Nessa busca pela formação do ser, percebeu-se que o homem é a chave para decifrar o mundo e as coisas. Percebeu-se que não há verdade absoluta e que o homem não sabe tudo, muito menos é o centro de tudo. E é na fragilidade de saberes constituídos em nome da verdade, que Montaigne apresenta contradições.

Mais uma vez, prevalece o discurso de que o homem “lê” o mundo a partir de sua experiência sensível. (Roland Barthes em “A morte do autor”) E nessa leitura ele coloca suas duas naturezas fundamentais: racional e irracional; consciência e inconsciência; bom e mau; divino e ciência, e é no conflito entre as duas que reside o equilíbrio. Montaigne diz que os impulsos influenciam na forma de ser (ética, moral, valores, cultura, etc), portanto cada pessoa interpreta/processa/percebe de forma diferente das outras.

Diante desta reflexão de que cada pessoa decifra o mundo e as coisas a partir de sua experiência sensível, Montaigne sugere que se desfrute de tudo sem necessariamente se submeter. Sugere conhecer, experimentar, investigar, não apenas imitar, mas buscar nas experiências, renovação eclética, política e moral. Que cada pessoa possa julgar as coisas e o mundo da sua maneira e o papel do preceptor (professor/educador) é justamente disponibilizar as ferramentas para esse fim.

Ensaiar a vida talvez. O autor diz que Montaigne foi o primeiro a usar a palavra “ensaio” para designar um estilo literário. Escrita que representa um modo de pensar a relação entre o “eu” e o mundo. Pode significar experiências, “jogo da imaginação e da inteligência”, “passeio fácil entre idéias e recordações”, “tentativas apenas esboçadas”, “um exercício de escrita, rascunho, algo não-definitivo”, talvez a própria significação de viver, sempre instável, montanha russa de emoções, entre altos e baixos, trajetória sempre inacabada. Ensaiar é interrogar o presente, expor a desconfiança, duvidar dos sentidos, idéias e verdades. Tudo é questionável!

A educação das crianças e o papel do preceptor em Montaigne

Sem certezas, como falar de educação? Tarefa difícil considera Montaigne, afinal se cada indivíduo constrói sua verdade e visão de mundo, como lecionar? Como direcionar o olhar?

Para Montaigne, a criança não deve ser submetida a decorar e memorizar, mas experimentar. O verdadeiro aprendizado está em fazer o aluno despertar o olhar, aguçar os sentidos, exercitar a capacidade de julgar, refletir, analisar com os próprios olhos. (talvez aqui resida o lugar da disciplina de Artes, responsável pelo despertar do olhar crítico, que observa, julga, analisa e reproduz. Que decodifica, desconstrói, reconstrói, reproduz releituras).

O papel do professor/educador é estimular o aluno a elaborar a consciência de si mesmo diante do mundo. Talvez ensinar a filosofar, refletir. (é possível?) Colocar um pouco de si mesmo no “outro”, nas coisas, no mundo, e nessa mistura, apresentar um novo olhar, uma nova forma de pensar, sem buscar uma verdade absoluta, talvez apenas buscar, apenas tentar, procurar, investigar, afastar/aproximar.

Ainda que o professor possa estimular o despertar do olhar, para Montaigne cada criança é diferente uma da outra, portanto não pode haver apenas uma maneira de ensinar, não há uma lição que possa ser aplicada da mesma forma para todos.

A educação (ideal talvez) necessita de flexibilidade, pois não é o conteúdo o que mais importa, mas o processo de construção do aprendizado, o despertar do olhar, o percurso do saber. (e às vezes esse saber demanda tempo, maturidade, processamento, associação, experimentação...)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

SOBRE TELEVISÃO - O mito não pára

Por Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl em 27/7/2004

Introdução de Videologias: ensaios sobre televisão, de Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl, 252 pp., Boitempo Editorial (www.boitempo.com), São Paulo, 2004; intertítulos da redação do OI

Mitologias, de Roland Barthes, acaba de ser reeditado no Brasil pela Difel. Mais que atual, o livro se confirma profético. Escrito entre 1954 e 56, publicado na França em 1957, o exercício semiológico de Barthes tem como objeto o sistema de signos que compõem o imaginário das sociedades industrializadas (re)trabalhado pelos meios de comunicação de massa. Estes eram representados sobretudo pela imprensa e a publicidade, já que a televisão, na década de 50, ainda era uma mídia de pouco alcance comparada ao cinema, aos jornais, às revistas e aos outdoors. Hoje, a televisão, acima de todas as outras mídias, ocupa o lugar da grande produtora de mitos e parece estar aí só para dar razão a Barthes. A ela, exclusivamente, dedicamos nossa atenção nos ensaios que compõem Videologias. A referência-homenagem ao livro de Roland Barthes não poderia ser mais explícita e mais necessária.

Não se procure pela origem do termo videologia. É um trocadilho um tanto fácil, que alguém poderia ter achado antes de nós, embora não tenhamos registro disso. De um modo ou de outro, não nos pretendemos inventores da palavra. Apenas consideramos oportuno trazê-la ao debate no alto de um livro como este. Aqui, essa palavra, mencionada apenas num dos ensaios, acaba servindo como elemento provocador (oculto) em cada parágrafo, como um fantasma a assombrar o texto. A palavra videologia é um trocadilho em aberto, cujo significado se consuma quando contraposto ao significado das mitologias barthianas ou ao significado do termo ideologia. Vivemos uma era em que tudo concorre para a imagem, para a visibilidade e para a composição de sentidos no plano do olhar. É nessa perspectiva que falamos em videologia, ou seja, na perspectiva de que a comunicação e mesmo a linguagem passam a necessitar do suporte das imagens num grau que não se registrou em outro período histórico. Os mitos, hoje, são mitos olhados. São pura videologia.

Voltemos então às mitologias, ou melhor, voltemos às mitologias tal qual elas se condensam nas palavras. Embora Barthes não diga isso exatamente nesses termos, podemos afirmar que as mitologias sacralizam certas mensagens, tornando-as pequenos objetos de significação inexpugnável. Dão a essas mensagens uma imobilidade que ao mesmo tempo é problema e solução: é problema porque a palavra que não se move morre, como bem avisava Bakhtin; ao mesmo tempo, é solução, um anestésico que conforta o humano confinado na prisão da linguagem. A palavra mitificada talvez se enrijeça na sua condição de palavra, mas revive sempre na sua condição de mito.

Sacada de Flaubert

Não há sociedade que se sustente sem formular sua própria mitologia. O mito, no sentido tradicional, é o sistema criador de significações "indiscutíveis" (Barthes), que mascara o desamparo humano no reino da linguagem. A linguagem é a morada do homem, morada insegura. Sem o mito, ela não seria suportável. A linguagem, em vez de uma fortificação sólida e protegida, oferece no máximo uma tenda, prestes a ser desmontada a cada vez que seu ocupante sai em busca de sítios mais abrigados; uma tenda sujeita à ação dos ventos e das tempestades da história e dos abalos sísmicos do poder. Sabemos – na modernidade, mais do que nunca – o quanto é arbitrária a relação entre significante e significado; sabemos que as significações não foram atribuídas por Deus às coisas criadas, mas que são obra do acaso operando nas relações humanas. Não há um referente último que assegure, de um lugar fora da linguagem, a estabilidade das significações. A linguagem, de fato, é um lugar angustiante.

No início do século XX, Saussure identificou um deslizamento entre o significante e o significado. Um patina sobre o outro, sempre, deslocando os sentidos; o que não era passa a ser, deixando de ser no instante seguinte. Significantes e significados, como amantes fugidios, entregam-se e escapam-se, sem que se saiba direito por quê. No momento preciso em que há uma fixação de um sobre o outro, cristaliza-se a ideologia. O sujeito tem a sensação de que coisas fazem um sentido! Claro: sentido ideológico. A ideologia se movimenta justamente sob a paralisação do significado sob o significante (ou sobre, tudo é uma questão de ângulo), que produz o que Roland Barthes chamou de naturalização das significações, com a perda de seu caráter histórico e contingente. É interessante também pensar que o mito sustenta essa paralisação. Uma e outro, ideologia e mito, escondem do sujeito essa condição inevitável, a de que tudo é transitório, e tudo o que concerne ao homem é de responsabilidade dos homens, das relações de troca e de poder entre humanos. Tudo, inclusive ele, o sujeito que, como define Lacan, nada mais é que um significante à deriva.

Desde sempre, os significantes transitam sem cessar. Michel Foucault dedicou As palavras e as coisas ao exame dos deslocamentos sofridos pela relação entre a linguagem e a verdade, desde o final da Idade Média no Ocidente. Tudo passa. Não existe, de fora da linguagem, um significante sólido que garanta a relação do conjunto dos significantes com a verdade das significações. Durante séculos, a humanidade apostou no nome de Deus para fazer esta função. "Não existe o Outro do Outro", disse Lacan em um de seus célebres aforismos, indicando que o homem não está desamparado apenas frente à natureza, mas no seio da linguagem. Por isso o mito necessariamente cimenta as estruturas de qualquer sociedade, pois fornece um suporte imaginário ao desamparo dos sujeitos na linguagem. No sistema de mitos próprio de cada cultura, o homem está "em casa".

O mito oferece um conjunto de conceitos indiscutíveis, de pouca ou nenhuma ambigüidade, compartilhado por todos os membros de um grupo, de modo a produzir, se não uma verdade, ao menos aquilo que Gustave Flaubert chamava "éffect du réel". Flaubert, escritor realista sem nenhuma ingenuidade a respeito da relação entre a arte e a "realidade", sabia que o real, para o homem, é um efeito do uso da palavra. Seu Dicionário das idéias feitas talvez seja um precursor intuitivo, sem aporte teórico explícito, das Mitologias do século seguinte. Nele, o autor descreve com grande senso de humor o sistema de "conceitos" de que o burguês oitocentista se valia para sentir-se confortável diante de tudo o que não fosse ele mesmo. O Outro nomeado pelas "idéias feitas" poderia ser a plebe ameaçadora, a aristocracia invejada, a natureza, a arte, a poesia que o burguês não conseguia alcançar, ou seus próprios afetos recalcados. O sistema de signos que o Dicionário de Flaubert analisa pelo simples recurso da ironia tinha a função de instalar aquela classe emergente num lugar seguro de onde o poder poderia ser exercido com maior eficiência, através do domínio dos códigos que regem o laço social. Quando um conjunto de significações que sustentam os sujeitos no campo simbólico se "naturaliza", o poder atinge sua máxima eficácia. Flaubert percebeu a operação que articulava os artifícios do uso da língua à acomodação de uma nova classe dominante em seu lugar recém-conquistado, na segunda metade do século XIX. Percebeu – e nisso consiste seu realismo – como é imenso o poder da palavra.

Poderes soberanos

Cem anos depois, Roland Barthes vem denunciar o truque: "O mito é uma fala roubada e restituída. Simplesmente, a fala que se restitui não é a mesma que foi roubada: trazida de volta, não foi colocada no lugar exato. É esse breve roubo, esse momento furtivo de falsificação, que constitui o aspecto transpassado da fala mítica". Uma fala roubada. Mas roubada de onde? De quem? Por quem? Talvez, roubada da espontaneidade das práticas falantes que se instauram por ensaio e erro, entre os agentes sociais, tentando simbolizar os aspectos do real que se apresentam, sempre renovados, diante de nós.

Ora, eis aí uma descrição nada ruim do que faz a televisão: rouba falas (verbais, visuais, gestuais), todas falas "naturais", e as devolve aos falantes. Como se ela mesma, televisão, fosse uma falante – o que aliás ela é, mas isso não vem ao caso. Uns ainda crêem que a TV "influencia" a platéia, como se ela desse ordens de conduta para a platéia, como se fosse urdida, arquitetada, premeditada, num espaço exterior ao da própria linguagem compartilhada entre os falantes. Não é bem isso. Se a TV "influencia", ela influencia exatamente na medida em que precipita o mito, que já estava lá, na fala roubada, pressuposto. Em outras palavras, a TV só influencia porque é o elo que industrializa a confecção do mito e o recoloca na comunidade falante. A TV não manda ninguém fazer o que faz; antes autoriza, como espelho premonitório, que seja feito o que já é feito. Autoriza e legitima práticas de linguagem que se tornam confortáveis e indiscutíveis para a sociedade, pelo efeito da enorme circulação e da constante repetição que ela promove. A TV sintetiza o mito.

E quem controla a TV? Quem é o gerente da usina contemporânea dos mitos? A resposta aponta obrigatoriamente para o poder. Mas o poder não é bem o poder político, tal como ele costuma ser pensado, nem é também o poder de um grupo reduzido de homens sobre o conjunto da sociedade. O poder é algo mais industrial, ou superindustrial, como diria Fernando Haddad. O poder pode ser melhor descrito, hoje, como o mecanismo de tomada de decisões que permitem ao modo de produção capitalista, transubstanciado em espetáculo, a sua reprodução automática. O poder, portanto, é a supremacia do espetáculo – a nova forma do modo de produção capitalista, como descobriu Guy Debord, nos anos 60 – sobre todas as atividades humanas. O poder, enfim, é a gestão do espetáculo pelos seus encarregados que, no entanto, não são seus autores mas seus subordinados.

Os homens é que fazem a língua, por certo, mas não a fazem como querem. Ninguém é "autor" da língua. Os sujeitos sociais não cessam de testar os limites da língua, transgredir suas normas, subverter o sentido dos termos de modo a adequá-los a novas necessidades expressivas. Este processo é inconsciente. O mesmo se pode dizer da gestão dos sujeitos que gerenciam imaginariamente a indústria que sintetiza a videologia – a mitologia da nossa era. A televisão funciona segundo processos inconscientes, tanto da parte dos emissores como da parte dos receptores, embora essas duas categorias sejam meras convenções imaginárias. As "novas necessidades expressivas" só se tornam (relativamente) conscientes quando advém à palavra – mas aí talvez percam a graça e sobretudo a força, quando repetidas incansavelmente no repertório da TV. Os homens fazem a língua? Seria mais adequado dizer: a língua se faz através da fala dos homens. Os homens fazem a língua antes de saber o que dizem. Os homens fazem e consomem a televisão sem saber o que desejam.

É desse lugar das palavras e das significações, renovadas e estabelecidas fora do controle consciente dos agentes sociais, que o mito "pesca" (para não usar o termo "rouba", pleno de conotações morais negativas) as falas que vai instaurar em um outro lugar. Claro que o mito não é o sujeito dessa operação, e sim o seu produto. A apropriação das falas pelo mito, como já alertamos aqui, é feita pelos agentes do poder.

A afirmação parece excessivamente maquiavélica? Nem tanto. O ponto fundamental é que nenhuma estrutura de poder, da mais centralizada à mais democrática, das mais arcaicas às mais modernas, pode se sustentar se não for capaz de produzir algum tipo de engajamento subjetivo daqueles que ela submete, organiza, explora ou protege. A passagem do poder soberano ao poder disciplinar representa um aperfeiçoamento nesses recursos, mas não significa que os poderes soberanos se sustentassem exclusivamente pelo uso da força. Mesmo os monarcas absolutistas contavam, no mínimo, com o referendo divino e a chancela da Igreja, produtora milenar de mitos no Ocidente, para produzir entre os súditos o que La Boétie chamou de servidão voluntária.

Tarefa crítica

A diferença está no tamanho do deslocamento que a significação percorre, desde o lugar de onde foi gestada e roubada até aquele em que se instaura como mito. Em sociedades menos estratificadas, como a Grécia pastoral ou algumas tribos ditas primitivas, o contador de histórias, o poeta, o xamã podem estar muito próximos e partilhar das mesmas necessidades expressivas do conjunto dos outros agentes sociais. Os mitos, por sua vez, seriam muito mais estáveis, transmitidos de geração a geração com pequenas alterações, nessas sociedades que Georg Lukács chamou de "fechadas" nas quais sua função confortadora era contar a história das origens, de modo a dotar de sentido a ordem presente.

Nas sociedades de corte emergente na Europa dos séculos XIII e XIV, os reis chamavam a seu serviço alguns letrados que desempenhavam papel de cronistas: sabiam que não só sua imortalidade como seu prestígio em vida dependiam, mais do que das terras conquistadas e da força de seus exércitos, das lendas que se criariam em torno de seus nomes.

A genialidade do Barthes foi ter percebido a particularidade da relação entre o mito, as necessidades expressivas e o poder, no contexto das sociedades industriais modernas. Voltando à sua proposição: o mito é uma fala "roubada" das falas emergentes – geradas pelas relações horizontais entre os humanos – pelos agentes do poder, que não necessariamente sabem o que estão fazendo. Essa fala é restituída a um outro lugar: o lugar dos códigos estabelecidos e "naturalizados", que contribuem para estabilizar o laço social dotando de consistência imaginária aquela parcela de renúncia exigida de cada sujeito que participa de uma sociedade.

A particularidade da mitologia contemporânea é o seu caráter industrial e inteiramente impessoal. Na modernidade, o engajamento subjetivo que sustenta o poder é cada vez mais consistente e inconsciente. O sujeito, agora, entendido como o sujeito que põe em marcha o processo de reprodução do capital e que põe em marcha, também, as institucionalizações necessárias à reprodução do capital, é o próprio capital, agindo como o que se pode chamar de sujeito automático. O capital é o sujeito que sujeita a todos os outros. Só que este sujeito age a partir de um lugar que é, ao mesmo tempo, todos os lugares e lugar nenhum. Quanto aos indivíduos, se tomados como sujeitos, pode-se dizer deles que, neles, a fala do Outro e o desejo do Outro, isto é, a fala e o desejo que os formata, são, cada vez mais, a fala e o desejo do capital agindo como forças inconscientes. Os indivíduos são sujeitos inconscientes do capital. Num período em que o Estado nacional se enfraquece sob o impacto do mercado globalizado, é o capital quem dirige o processo, acima das nações – que hoje debatem como se integrar, e não mais como liderar. A força militar e econômica da potência única de nossos dias, os Estados Unidos, expressa não a supremacia de uma nacionalidade sobre as demais, mas os desígnios de uma indústria sobre todas as outras e sobre todos os povos: o espetáculo. A tirania da mercadoria se exponencia na tirania da imagem da mercadoria. O capitalismo contemporâneo é um modo de produção de imagens. Aí, o poder político é uma espécie de despachante do modo de produção. Mais do que antes, mas muito mais do que antes. Se, no século XIX, a questão era desmascarar o caráter burguês do Estado que se apresentava como universal, agora, no século XXI, a questão é compreender e decifrar os mecanismos pelos quais toda política, assim como toda religião e toda ciência, toda cultura e toda forma de representação, convergem para a imagem, como partes do modo de produção de imagens, e só circulam e só adquirem existência como imagem. Essa indústria é a produtora das videologias. A tudo o mais ela subordina.

Os textos que apresentamos a seguir tentam dar conta de uma pequena parte da tarefa de tornar consciente o que opera, na sociedade, a partir das forças inconscientes do capital. Esta é uma tarefa crítica e, sobretudo, política.

Fonte original: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=287AZL003